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quarta-feira, 25 de março de 2015

ANGÚSTIA

O bolero Angústia na voz de Bievenido Granda, o bigode que canta, como era conhecido na década de 60, derrama uma sonoridade que nos lembra momentos vivenciados no amor que passamos ao lado da pessoa amada: “Angustia de no tenerte a ti, tormento de no tener tu amor, angustia de no besarte mas.”
Embora pareça paradoxal, a angústia é uma projeção na luz. É que, no íntimo, é a luz que se esparze. O que não se pode é reter a angústia porque isso iria aumentar muito o sofrimento que nos leva a uma caída de ânimo, em consequência a diminuição de nossa defesa orgânica.
Quando a angústia é colocada na berlinda, torna-se mais fácil a busca de solução que pode vir através de produtos químicos ou de energização o que pode ser dissolvida de vez com a consciência de que o amor é o recurso mais eficaz.  
O certo é não tentar compreender a angústia, o que pode ser valorizada em aspectos que não dizem respeito ao nosso mundo íntimo, o certo é deixar passar assim como deixamos ir embora os ventos de tempestade não nos ligando ao rumo em que seguem espalhando um clima diferente do que trazemos dentro de nós.
A angústia, dentro da condição humana, não é apenas a de alguém não poder mais ter os beijos que tinha com a pessoa amada, mas também com relação ao dinheiro, ao trabalho, à alimentação, à moradia, à aposentadoria e a toda questão da sobrevivência.
Nesse aspecto o que sobressai é o que está em nosso ser profundo, sem resistências e com abandono, é aquele abandonar-se à luz, onde a personalidade do que pensamos ser, a nível exclusivo de matéria, tem a chance de transcender no estilo de criança onde o livre-arbítrio não se manifesta. 
O que se nos afigura decepção ao que esperávamos encontrar na pessoa ou situação é apenas um momento de crescer, semelhante à apreciação dos orientais diante da crise. Aqui cabe a citação de Nietzsche: “É preciso ter um caos dentro de si para dar à luz uma estrela cintilante”. Isto viria, de qualquer jeito, através de um tempo em que não podemos precisar quando será, pois as condições adequadas ao bem-estar são as mesmas no reino vegetal quando surgem as flores. 
A reação, a nível da personalidade, iria complicar a situação, pois o que reage não é o ser profundo, mas o ego que não quer perder e ganhar sempre nesse nível vivenciando a transitoriedade de todas as coisas. O sentido da eternidade torna-nos capacitados para caminhar com leveza.
A moral, esse conjunto de regras estabelecidas no viver humano e transitório, serve-nos para nos proteger de situações que iriam nos embaraçar, é a zona de conforto mais apreciada nesta civilização que perdeu o sentido da ética do mundo grego (Sócrates/Platão) e que foi até Santo Agostinho, doutor da Igreja. Na Grécia antiga, a ética tinha um sentido de durar para sempre.
O caminho conduz a uma encruzilhada: a escolha de sermos criança, vivenciando aquele caminho das bem-aventuranças, ou aquele em que a zona de conforto parece ter um sentido mais real e que, sem dúvida, nos conduz ao canto de Bienvenido Granda.
Nunca poder olvidar as noites junto ao mar que o canto revela é alimentar o que está perdido. Se a angústia está cristalizada é porque alguém a cristalizou. Isto pode ocorrer com os nossos ancestrais ou descendentes ou conosco mesmo, pois o vínculo existe. No apelo religioso há referencial sobre anjos e demônios e no divã de psicanálise os arcanos, os arquétipos e os mitos em que a subjetividade impera. A pessoa cria o próprio destino mediante as escolhas que faz, é sabido.
No entanto, pensar em noites junto ao mar com outros amores que nos alegram o viver, é outro caminho, outra direção. Mas, para isto acontecer é necessário não fazer nada, desapegar-se, apenas viver o que o coração sente no clima dos amores eternos.

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