O bolero Angústia na voz de Bievenido
Granda, o bigode que canta, como era conhecido na década de 60, derrama uma
sonoridade que nos lembra momentos vivenciados no amor que passamos ao lado da
pessoa amada: “Angustia de no tenerte a
ti, tormento de no tener tu amor, angustia de no besarte mas.”
Embora pareça
paradoxal, a angústia é uma projeção na luz. É que, no íntimo, é a luz que se
esparze. O que não se pode é reter a angústia porque isso iria aumentar muito o
sofrimento que nos leva a uma caída de ânimo, em consequência a diminuição de
nossa defesa orgânica.
Quando a angústia é
colocada na berlinda, torna-se mais fácil a busca de solução que pode vir
através de produtos químicos ou de energização o que pode ser dissolvida de vez
com a consciência de que o amor é o recurso mais eficaz.
O certo é não
tentar compreender a angústia, o que pode ser valorizada em aspectos que não
dizem respeito ao nosso mundo íntimo, o certo é deixar passar assim como
deixamos ir embora os ventos de tempestade não nos ligando ao rumo em que seguem
espalhando um clima diferente do que trazemos dentro de nós.
A angústia, dentro
da condição humana, não é apenas a de alguém não poder mais ter os beijos que
tinha com a pessoa amada, mas também com relação ao dinheiro, ao trabalho, à
alimentação, à moradia, à aposentadoria e a toda questão da sobrevivência.
Nesse aspecto o que
sobressai é o que está em nosso ser profundo, sem resistências e com abandono,
é aquele abandonar-se à luz, onde a personalidade do que pensamos ser, a nível
exclusivo de matéria, tem a chance de transcender no estilo de criança onde o
livre-arbítrio não se manifesta.
O que se nos
afigura decepção ao que esperávamos encontrar na pessoa ou situação é apenas um
momento de crescer, semelhante à apreciação dos orientais diante da crise. Aqui
cabe a citação de Nietzsche: “É preciso ter um caos dentro de si para dar à luz
uma estrela cintilante”. Isto viria, de qualquer jeito, através de um tempo em
que não podemos precisar quando será, pois as condições adequadas ao bem-estar
são as mesmas no reino vegetal quando surgem as flores.
A reação, a nível
da personalidade, iria complicar a situação, pois o que reage não é o ser
profundo, mas o ego que não quer perder e ganhar sempre nesse nível vivenciando
a transitoriedade de todas as coisas. O sentido da eternidade torna-nos capacitados
para caminhar com leveza.
A moral, esse
conjunto de regras estabelecidas no viver humano e transitório, serve-nos para
nos proteger de situações que iriam nos embaraçar, é a zona de conforto mais
apreciada nesta civilização que perdeu o sentido da ética do mundo grego
(Sócrates/Platão) e que foi até Santo Agostinho, doutor da Igreja. Na Grécia
antiga, a ética tinha um sentido de durar para sempre.
O caminho conduz a
uma encruzilhada: a escolha de sermos criança, vivenciando aquele caminho das
bem-aventuranças, ou aquele em que a zona de conforto parece ter um sentido
mais real e que, sem dúvida, nos conduz ao canto de Bienvenido Granda.
Nunca poder olvidar
as noites junto ao mar que o canto revela é alimentar o que está perdido. Se a
angústia está cristalizada é porque alguém a cristalizou. Isto pode ocorrer com
os nossos ancestrais ou descendentes ou conosco mesmo, pois o vínculo existe.
No apelo religioso há referencial sobre anjos e demônios e no divã de
psicanálise os arcanos, os arquétipos e os mitos em que a subjetividade impera.
A pessoa cria o próprio destino mediante as escolhas que faz, é sabido.
No entanto, pensar
em noites junto ao mar com outros amores que nos alegram o viver, é outro
caminho, outra direção. Mas, para isto acontecer é necessário não fazer nada, desapegar-se,
apenas viver o que o coração sente no clima dos amores eternos.
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