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terça-feira, 31 de julho de 2012

CANÇÃO DA FUGA IMPOSSÍVEL

O início da Canção da fuga impossível, do maestro e compositor Cláudio Santoro, escrita no compasso 2/4, clave de sol, é apresentado no movimento lento.
A letra da canção é de Ary de Andrade que revela um barqueiro lançando–se ao mar, em direção da praia lunar, buscando esquecer os ecos do mundo, e levando consigo um resto de sonho e conclui pensativo: “Como é que sonhei a fuga  da vida se a alma na terra deixei repartida?”
Acompanhando o mesmo sentido da letra da música, opinamos que aceitar a vida tem ligação profunda com os sonhos que nascem nas fontes límpidas. Não procurar nem fugir daquilo que já nos pertence, como as circunstâncias, as pessoas, as tarefas que estão em nosso convívio.
Muitos buscam tenazmente realizações no campo dos sentimentos, desejam conhecer pessoas que lhes preenchem as horas vazias e, uma vez conseguidas, separam-se num clima de indiferença, sem perceber os liames que permanecem fragmentados no espaço-tempo.
No giro das órbitas, esses liames afetivos circulam ao redor de quem os fez surgir, independente de rejeição que recebem ao se aproximar. A lacuna está sempre inclinada à força que lhe dê transmutação.
As oportunidades que promovem o encontro e a possibilidade de estarem ligados, permanentemente, surgem a cada instante. Os olhares, os sorrisos e o suspiro numa saudade alteram-se constantemente.
A vida surge como as notas do piano, lançadas no ar, os prelúdios, as sonatas, as sinfonias, os concertos. Os sons elaboram imagens que criam situações intimamente ligadas ao nosso mundo íntimo.
Assim são as pessoas, umas são prelúdios de um romance que floresce apenas uma vez como a flor dos aloés, outras são concertos de variações bastante diversificadas, outras ainda são sinfonias que incorporam um conteúdo musical bem mais amplo.
Se a vida nos dá lua e estrelas, ventos e maresias, chuvas e trovoadas, neblina e cerração, pôr de sol romântico e luar derretido em prata, por que ainda teríamos de buscar novas paisagens?
Quando assumimos uma posição de súplica em que o desejo vibra como o metal no fogo, estamos criando situações do destino que virá na intensidade em que foi suplicado, embora haja forças circunstanciais anulando a nossa participação como a semente lançada em solo estéril.
As circunstâncias desfavoráveis são avisos importantes que repercutem como os sinos das catedrais, despertando-nos  a fé, qualquer que seja a nossa ideologia. As dificuldades ajudam-nos a refletir nos sonhos que trazemos do berço.
Como é do conhecimento de muitos, o pensamento é força que irradia nossos sentimentos. Buscar aproximação de pessoas e situação que desconhecemos é o mesmo que embarcarmos em canoa descendo regiões montanhosas.
Do mesmo modo, fugir de tudo aquilo que nos chega, sem termos a capacidade de identificar o que nos convém, seria tão desastroso como descer as cachoeiras dos grandes rios.
Os desencantos das noites escuras são refletidos nas paisagens íntimas daqueles que buscaram os sonhos que não lhes pertencem e fugiram dos encontros de pessoas que o destino lhe reservou nos luares em eclipse.
Desligado da consciência grupal, do âmbito onde circula, o homem cria o deserto íntimo onde só existirá oásis se as condições em que estiver mergulhado forem abrandadas pelos seus gestos de recomposição.
Esses gestos são originários da luz que se irradia, a radiança imortal de sua realidade que foi obtida do não agir, mas ao abandonar-se à luz que trabalhou nele a ação que o    faz crescer em patamar de grandeza.
 
Blog  Fernando Pinheiro, escritor
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segunda-feira, 30 de julho de 2012

LUA BRANCA

Nos idos de 1912, no final da belle époque do cinema nacional e no início da entrada de filmes estrangeiros, sob o comando do empresário Francisco Serrador, e ainda da construção de salas de projeção e cinemas no País, a compositora, instrumentista e maestrina Chiquinha Gonzaga (1847/1935), escreveu a música Lua Branca.
A primeira estrofe é cantada nos versos:
“Oh! lua branca de fulgores e de encanto,
Se é verdade que ao amor tu dás abrigo,
Vem tirar dos olhos meus o pranto.
Ai, vem matar esta paixão que anda comigo.”
A canção Lua Branca é uma súplica enternecida de quem ama e busca uma proteção ao amor apaixonado que, no íntimo, sente vontade de matar aquela paixão que sente, dentro de si, andando com ele. Esse sentimento provoca prantos e incomoda demais.
A luz da lua é um véu imenso que se espalha em chuvas de prata pelo céu aberto, estendendo um enlevo inebriante que desperta uma satisfação de beleza inefável e está intimamente ligada a um doce estado de espírito que ameniza e dulcifica.
A poetisa a viu e a transmitiu aos ouvintes a lua como a salvadora de angústias de amar apaixonadamente. Sem dúvida, um recurso valioso para sentir, no íntimo, a suavidade da luz que dela se derrama, como também existem outros meios que possibilitam a recomposição de ânimo firme no caminho da vida.
Assistimos, nos dias de hoje, a uma minoria de pessoas, que detém o poder da mídia, promovendo uma cultura centrada no escândalo político e na administração pública, nas notícias de crime em detrimento da informação da memória nacional ricamente encontrada em todos os setores da sociedade, principalmente na música, nas artes plásticas, na literatura, no cinema e na televisão.
Assim, divulga-se gratuitamente o desencanto em espaços onde os empresários gastam fortunas para promover seus produtos. Diante do desprestígio da virgindade e da banalização do sexo, a tendência dos casais é buscar apenas a satisfação do prazer sem que haja manifestação de amor.
Livrar-se do amor para não sofrer é o mesmo que livrar-se da vida para não viver. O que se aprende na saudade, na separação, vem enriquecer o nosso mundo íntimo para sentirmos melhor a vida que se estende em outros caminhos.
Quando um dia, na longa estrada do destino, tivermos a missão de confortar corações tristes, apaixonados, desiludidos e até mesmo abandonados pelos entes amados que se foram por outros caminhos, saberemos, neste nosso aprendizado, como ser útil, a fim de que possamos promover uma sociedade que tenha mais consciência da beleza que a lua inspira.
E na verdade ao amor que damos abrigo, vamos tirando dos olhos dos entes queridos o pranto, a paixão que mata, a amargura que desanima, e, seguindo o destino da lua, vamos iluminando os dias felizes dos amores que nos esperam.
 
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CANÇÕES DE AMOR


    Escritas nos idos de 1958, as três músicas Em algum   lugar, Ouve o Silêncio e Acalanto da Rosa, de Cláudio Santoro,  trazem os versos de Vinícius de Moraes, e integram o ciclo  Canções  de  Amor.

        A música Em algum lugar começa dentro do movimento  andante, a letra é revestida da esperança de haver algum    lugar  onde  o  amor  possa  ser  vivido  em  paz.

        A canção Ouve o Silêncio do ciclo Canções de Amor,        como é óbvio, estende uma atmosfera sussurrante quase silenciosa, a expressar um segredo de um amor, em      aparente  solidão,  a  cantar  a  beleza  de  viver.

        A terceira música do ciclo tem por título Acalanto da      Rosa que expressa o dormir da estrela no céu, o dormir da   rosa no jardim e o dormir do amor de quem o faz dormir.          O texto cita a frase: “é preciso pisar leve”, fazendo–nos     lembrar a canção O bilhete, de Jair Amorim e Evaldo      Gouveia, na voz do cantor Altemar Dutra: “quando chegares,  viu,  pisa  bem  devagar  que  a  minha  dor  dormiu.” 

        Os  versos  do  poeta  Vinícius de Moraes começam,  na  primeira canção, falando-nos da possibilidade da existência     de algum lugar onde o amor possa viver em paz. Realmente,      é  muito  difícil  se  encontrar,  neste  planeta, um  recanto  que  esteja  em  eterna  primavera.

        Mas sempre existe àqueles que trazem o amor no    coração,  um lugar de paz onde se pode viver o amor e ser    feliz, bem feliz. A felicidade, que semearmos, será a mesma    que iremos receber de volta, embora tenha percalços para chegar ao ponto em que desejaríamos. Uma simples visão do    caminho que buscamos já é o suficiente para estarmos bem  com  a  vida.

        Na  segunda  música,    um  convite  para  ouvirmos  o  silêncio que fala do amor triste que não pode acontecer entre um casal. Os motivos dos amores impossíveis são muitos          e  alguns  deles  permanecem  em  segredos  insondáveis.

        A  canção,  logo  de  início,  diz  para  não  falar  e,  um  instante depois, pede para falar bem de leve, dizer bem  baixinho  de  um  segredo  e  um  verso  cheio  de  esperança  no  amor  que  eles  sentem.  Antes  que  a  amada  possa  manifestar algum desencanto, ele se antecipada, impedindo-a:   “não”.

        Em seguida, ele a incentiva a cantar a beleza de viver,  fazendo uma saudação ao Sol e a alegria de amar, mesmo       na aparente solidão. Se há um vínculo de amor, sustentado   por pensamentos intensos e profundos, a separação é      apenas  física e não emocional. Não há motivos para tristeza.    O  amor  é  o  cântico  que  persiste.

        Pensar no Sol, em forma de saudação, é muito salutar,  pois  a  energia,  que  dele  se  derrama,  pode  envolver-nos,  a qualquer hora, de dia ou de noite, em fortes emanações  etéricas. O pensamento em direção as conquistas maiores         um  sentido  maior  em  nossa  vida  e ajuda-nos  a  ficar  mais confiantes no caminhar. Lindas imagens ideoplásticas, que o cérebro cria, facilitam a contemplação da beleza ao      nosso  alcance.

        De efeito semelhante, podemos, sem buscar nenhum   meio exótico, atrair pelo pensamento as energias que emanam  de paisagens conhecidas: o deserto do Saara, as savanas africanas, as nascentes do rio Nilo, os Alpes franceses ou suíços, os fiordes escandinavos, as florestas eslavas, as paisagens polares, o pantanal mato-grossense, as cachoeiras  do  Iguaçu,  os  igarapés  da  Amazônia,  as  areias  dos  lençóis  maranhenses, em Araioses e Barreirinhas, e também na  própria  ilha  de  São  Luís  nas  dunas  da  praia  de  Araçagi.   

        No Acalanto da Rosa o pensamento de Vinícius de Moraes segue em direção da estrela, da rosa, da lua e do amor         para revelar que há sono. Há, também, como vimos, um       sutil alerta: “é preciso pisar leve, aí é preciso não falar”. 

        Quando  a  amada  adormece  o  perfume  dela  é  suave  e  ele   a compara a rosa pura dentro de um sono que, devido à     longa  espera,  supomos,  não  tem  fim.  Pois,  do  contrário,  iríamos reconhecer a morte ou a própria vida ressurgida         em  outra  dimensão  maior.     

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domingo, 29 de julho de 2012

CONSELHOS

Comentar a música Conselhos do compositor e maestro Carlos Gomes é uma honra muito grande que muito nos sensibiliza, principalmente porque tivemos a oportunidade de ler a partitura escrita por ele (Acervo: Biblioteca Nacional).
Alguém já ouviu falar o que é a Cinelândia? Pois é, é uma praça onde está a estátua do maestro e compositor Carlos Gomes, em frente do Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
As marcas indeléveis do próprio punho do autor eram traduzidas por nós em perfeição e beleza comovente. Os primeiros movimentos da música: Allegreto (accentada la prima), staccatissimo, aumentando e diminuendo, suave, crescendo, diminuindo, staccato, suave. O final é allegro deciso, fortíssimo.
A poesia do Dr. Velho Expediente compõe a letra da canção. A estrofe que mais justifica o título é a segunda:
“Se o homem idoso for, se ainda rapaz,
Tome a lição que ele quiser lhe dar.
Se funções, contradanças não quiser,
Também não queira, para não brigar...”
A letra da canção traz conselhos a mulheres casadas. Os tempos em que vivemos são outros dos aqueles em que viveu Carlos Gomes, mas reconhecemos que o relacionamento entre casais ainda está sujeito a condutas saudáveis que fortalecem a união da família.
Em cada estrofe há uma sucessão de conselhos úteis, vindo da vivência dos relacionamentos do passado que alcançaram êxito, e logicamente serve como bússola para guiar aqueles que, perdidos entre tantas informações, ainda não encontram o caminho certo.
Logicamente em cada um dos parceiros, haverá sempre uma variante de opiniões que oscila entre aquilo que deve ser e aquilo que pode ser ou mesmo não ser nada, o que vem caracterizar a separação.
Fazer a vontade do marido é o melhor caminho para as jovens esposas, desde que essa vontade esteja revestida de indícios de bom–senso, discernimento e os cuidados que vêm do amor verdadeiro.
Neste caso, entra muito a apreciação inteligente do que seja bom para ambos. Não apenas a satisfação e os gostos inclinados para um lado só, mas ao que convém para manter o casamento. O amor verdadeiro é feito mais de renúncia e desprendimento do que as vantagens pessoais.
 
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sábado, 28 de julho de 2012

PÉROLA

O movimento tempo di minuetto dá início à música Pérola, de Carlos de Campos (1866/1927), escrita para canto e piano. No período de 1924 a 1927, o compositor foi governador do Estado de São Paulo.
Carlos de Campos é também autor das óperas A bela adormecida e Um caso singular, estreadas em abril de 1924 e agosto de 1926, respectivamente, no Theatro Municipal de São Paulo e encenadas nas temporadas de 8 a 16 de novembro de 1924 e 30 de julho e 5 de agosto de 1926 no Theatro Municipal do Rio de Janeiro.
A letra da música é do livro Cantos de Luz, de Luís Guimarães Filho (1878/1940), diplomata, poeta, ensaísta, filho de Luís Guimarães Júnior (1845/1898), imortal da Academia Brasileira de Letras, autor do célebre verso: “depois de um longo e tenebroso inverno”.
A letra da canção remete-nos à reflexão da vida, principalmente na oportunidade de vivenciar aquilo em que todos nós estamos envolvidos. Não é apenas exclusiva à pérola, figura de mulher representada diante do mundo, mas sim à criatura humana, de modo geral.
O título da canção Pérola tem maior significação, se compararmos ao ser mais profundo que habita em cada um de nós. A pérola, a que estamos nos referindo, merece maior atenção e cuidados especiais do que ao próprio corpo físico. É questão de transcendência.
O nosso ser mais profundo - sinônimo de alma, espírito, essência divina, corpo somático, energia do mundo (denominações consoante a linha do pensamento ético ou religioso) - está encarcerado dentro do corpo físico.
O poeta Luís Guimarães Filho, em sua ideia luminosa e cristalina, começa revelando-nos o mundo que as ilusões despertam. Quantas oportunidades de viver a felicidade são perdidas:
“Lúcida  pérola  encarcerada 
Na rósea concha de um débil ser.
Teu berço dança como a jangada
que nos recifes se vai perder...”
Em busca da liberdade, em melhores ares, faz eclodir de dentro de si mesmo os talentos das artes e dos sonhos, negociando favores transitórios que o tempo desgasta.
Brilhos de festa, risos e contentamento se misturam para celebrar a vitória. A taça é cheia, em borbulhões, e se derrama.
Aos poucos, estará vazia, refletindo a vacuidade no ser mais profundo. Na alquimia dos opostos, a lágrima revela o excesso. Adeus às ilusões!
Corre o tempo. O cansaço chega. Desilusões acumuladas são expurgadas como lixos mentais que precisam de reciclagem em outros espaços que não nos pertencem.
Abençoado o esquecimento que não promove mais os desencantos. Virão, sim, a verdadeira alegria, os verdadeiros amores, os sonhos das fontes límpidas.
Nessa nova condição de vida, que estabelece em definitivo a felicidade que buscamos, sentimo-nos vontade de ter a simplicidade das crianças e dos amores primeiros, saudades de sermos nós mesmos, puros e belos, como disse, em analogia, o poeta da canção:
“Mas, ai! de súbito eis que te cansas,
Perdes  o  brilho  do  teu  olhar...
Da  antiga  concha  talvez  lembranças!
Talvez  saudades  do  velho  mar!"
 
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sexta-feira, 27 de julho de 2012

ALAMÔA

Nos idos de 1948, quando o médico Guilherme da Silveira dirigia os destinos do Banco do Brasil, o funcionário Lourenço da Fonseca Barbosa, Capiba, escreveu a canção Alamõa, retratando uma lenda do arquipélago Fernando de Noronha.
Sobre o autor, ressaltamos que, nos idos de 1943, escreveu a canção Maria Betânia, destinada para a peça Senhora de Engenho, de Mário Sette, dirigida pelo teatrólogo Hermógenes Viana, à época funcionário do Banco do Brasil.
Posteriormente, a canção foi gravada pelo cantor Nelson Gonçalves, hoje um dos clássicos da música popular brasileira. Outro sucesso de época foi a Serenata Suburbana, de Capiba, na voz de Dalva de Oliveira e regravada por inúmeros cantores.
Ao ensejo do lançamento do disco Mestre Capiba Raphael Rabello e convidados, sob o patrocínio do Banco do Brasil, banco que divulga a memória nacional, citamos matéria publicada pela imprensa: “Mestre Capiba” está bem longe de ser mais um tributo comercial.” (3)
(3) JOÃO PIMENTEL (in Capiba pelo violão genial de Rafhael –  Jornal O Globo (05 de novembro de 2002).
Capiba era mais conhecido como compositor de frevos. No entanto, na área erudita, escreveu um concerto para piano e outro para flauta, um trio para violão, violino e cello, e ainda uma suíte para piano, orquestrada pelo compositor Guerra Peixe. Nos idos de 1950, obteve o 2° lugar no concurso comemorativo ao 1° Centenário do Teatro Santa Isabel, na capital pernambucana, com a apresentação de uma abertura solene para orquestra sinfônica.
Ferreyra Santos, poeta e romancista pernambucano, é o autor da letra da música Alamôa que começa narrando uma sombra de gente dançando dentro da noite, num lugar lambido pelo mar.
A lenda contada pelos habitantes de Fernando de Noronha é a respeito do episódio dramático ocorrido com um jovem casal. Ela, loira, de longos cabelos, parecendo uma alemã (alamôa para os nativos) foi morta pelo noivo. Motivo do crime: ciúme. Ele foi condenado a cumprir pena. Numa noite de temporal, ele morreu de remorso porque foi constatada a inocência da amada.
Em noites de tempestade, ela surge dançando entre os rochedos a caminho da cela onde esteve preso o noivo.
A letra da canção revela uma sombra de mulher a dançar num lugar isolado, rodeado de mar, açoitado pelo vento da tempestade. O ser mais profundo que nela vivia, enquanto noiva de um homem ciumento, recrudesce em imagens vivas que a morte não conseguiu eliminar.
Os noivos do passado, em transes dolorosos e de sofrimento, buscam o reajuste que a harmonia estabelece. O amor tem esse encantamento que faz surgir a beleza.
Particularmente, mesmo não aceitando o crime por amor, vemos que o canto nordestino se converte em prece fervorosa em súplica pedindo a Alamôa sair dos olhos do pobre pecador e perdoá–lo.
No mundo espiritual os passageiros do mundo material são recebidos e encaminhados a esferas de comportamento em que semearam seus corações. Quem semeou a noite escura colherá a noite escura, quem semeou o dia claro colherá o dia claro.
Os liames afetivos permanecem vivos dentro da durabilidade de que são revestidos, o que enseja pensar em grau ou escala de envolvimento, intensidade e teor vibratório das emanações psíquicas ou emocionais revelando a beleza, para concluirmos que somente o amor pode transmudar, no tempo e no espaço, a situação que revela a imortalidade do próprio sentimento.
Esse fenômeno que se irradia na natureza e se faz presente no homem, numa consciência plena, que é integrante da própria natureza, independe da condição de crença ou aceitação, assim como o átomo já existia, embora não descoberto, desde os primórdios da civilização humana.
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quinta-feira, 26 de julho de 2012

CANÇÕES DO VENTO

Destinadas para voz grave e piano, as Canções do Vento (Elegia, O Vento é quando? e Quem me dirá quem sou?), de Bruno Kiefer, têm os movimentos tempo justo (semínima = 92), (Elegia), moderato, semínima = 76 (O Vento é quando?) e tranquilo, semínima = 72 (Quem me dirá quem sou?).
Na primeira canção do vento (Elegia), a letra é de Ribeiro Couto
(1898/1963), poeta santista, membro da Academia Brasileira de Letras.
A segunda canção (O Vento é Quando?) traz a letra do poeta Carlos Nejar, membro da Academia Brasileira de Letras. A terceira canção (Quem me dirá quem sou?) tem os versos do poeta português Fernando Pessoa.
A Elegia, o canto primeiro das Canções do Vento, inicia indagando o que quer o vento, como se fosse alguém vindo das praias desérticas que chega, nas horas frias, batendo à porta, querendo entrar. O poeta santista diz que as invisíveis bocas dos mortos andam de ronda, em longo queixume. E depois de morto, virá acordar a sua amada em carícias perfumadas de flores que o vento da primavera carrega.
Na hora do sono, morte parcial que vivemos todos os dias, quantas vezes, o nosso corpo astral saiu do corpo físico para entrar em ambientes que nos atraem e seduzem, até mesmo nas casas de nossos amores que nos alegraram a vida nesta e em outras dimensões!
A vida, apesar de ser única, é múltipla, em suas formas e conteúdos. E quem garante que, após o desenlace da matéria, não iremos vagar à busca de encontros felizes?
A letra do poeta Carlos Nejar, contida na segunda canção, revela-nos que o tempo é quando depois de ter amado, depois de ter lutado. Em ambas as circunstâncias, a sensação de calma mergulhada numa leveza e quietude e relaxamento.
A letra da última canção vem nos versos de Fernando Pessoa que lamenta a perda de vitórias e de sonhos de amor em situações que não queríamos, na hora certa: “... que vitórias perdidas por não as ter querido! / Quantas perdidas vidas! E o sonho sem ter sido...”
Realmente, deixamos de realizar planos e ideias que poderiam ser de grande proveito para nossa vida, apenas porque não sabemos o momento oportuno.
A época em que o poeta Ribeiro Couto (1898/1963) escreveu a letra da canção era diferente a dos dias atuais.
Atualmente, com a sacralização do planeta, o vaguear de almas penadas está acabando porque, mesmo com os vínculos do passado com os comparsas, elas não permanecem mais na psicofera terrestre, sendo conduzidas por suas próprias vibrações a mundos afins que, logicamente, possuem a mesma densidade em que vivem.
No entanto, o que sobressai nas letras das Canções do Vento é o amor.

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quarta-feira, 25 de julho de 2012

ORAÇÃO DA NOITE

Escrita nos idos de 1945, na cidade do Rio de Janeiro, e destinada para coro misto e contralto solista, a música Oração da Noite, de Brasílio Itiberê (1896/1967), compositor, folclorista, membro fundador da Academia Brasileira de Música, tem os versos do poeta paranaense Emiliano Perneta (1866/1921).
A leitura musical da Oração da Noite é longa. O movimento inicial é suave (semínima = 66). O final se desdobra em pianíssimo, molto pianíssimo.
A leitura da letra menciona que a noite chegou. A sombra envolveu o vale, a montanha e o mar. É o momento que antecede ao sono. É hora de rezar. O clima é bastante favorável. A quietude das horas é um estímulo suave e ameno.
O pai de Maria conduz a singela cerimônia familiar convidando-a ajoelhar ante as estrelas e bendizer inicialmente a luz que a criou como a mais formosa dentre as mais formosas mulheres do vale.
A oração prossegue bendizendo a terra e aqueles pobres e mansos animais: a ovelha que deu a lã que cobre o corpo dela e o boi que ajudou no campo a ganhar o pão. Não apenas ao boi, mas também a todos aqueles que trabalham com o arado.
Há um convite para ver como a noite está silenciosa, mergulhada em doces e suaves mistérios que nos despertam a sentir o paraíso que está nas estrelas. No plácido recôndito onde Maria reza, a lua misteriosamente apareceu. Talvez nem soubessem que era dia de noite de lua cheia.
O momento reflexivo estimula abençoar a carícia do sono que chega suavemente junto aos olhos nus de Maria e como diz a canção: “mais leve que uma folha de outono, mais leve que o som, mais leve que a luz”. Sentindo a quietude das horas, o pai nem se lembra que o som, dentro dos movimentos musicais, possui também o movimento forte.
A oração finaliza sintetizando um convite a todos que estão numa atitude meditativa em busca do alívio para suas dores:
“Basta que a tua dor venha do fundo d'alma, basta ergueres o olhar, basta ergueres a voz e logo tu verás como tudo se acalma. Oh! Jesus! Oh! Senhor, tem piedade de nós.”
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CÂNTICOS SERRANOS N° 2

     Os Cânticos Serranos n° 2, de Guerra Peixe, foram escritos em 24 de março de 1976, e iniciam-se no movimento andante   forte  e  terminam  poco  affretando   e  ritardando.

        A  letra  da  música  traz  os  versos  do poeta  Raul de   Leoni (1895/1926) que revela um encontro casual mergulhado  na  inocência,  transformando  a  intimidade  em  saudações  de  simples  cortesia.  Ao  finalizar  a  poesia,  ele  descreve:
     
       
     Nunca mais nos falamos...  vai distante...
      Mas, quando a vejo, há sempre um vago instante
      Em que seu mudo olhar no meu repousa.”
      “E eu sinto, sem no entanto compreendê-la
      Que ela tenta dizer-me qualquer cousa,
      Mas que é tarde demais para dizê-la...”

Na sabedoria do silêncio, Jesus calou-se diante de    
Pilatos e Raul de Leoni, o poeta da emoção filosófica, faz calar fundo quem busca a verdade: 


       “Não sofras mais à espera das auroras
        Da suprema verdade a aparecer:
        A verdade das cousas é o prazer
        Que elas nos possam dar à flor das horas...

        Essa outra que desejas, se ela existe,
        Deve ser mais fria e quase triste,
        Sem a graça encantada da incerteza...

        Vê que a Vida, afinal – sombras, vaidades –
        É bela, é louca e bela, e que a beleza
        É a mais generosa das verdades...”    (5)
(5)     RAUL DE LEONI (in  Luz  Mediterrânea, p. 106)
 
       Ambos, o compositor e o autor da letra da música Cânticos Serranos, são naturais da cidade de Petrópolis, conhecida como a cidade imperial, que está erguida dentro da Serra dos Órgãos.
        A Pousada Chalé da Montanha, de propriedade de Jean Vieira, é confortadora e nos leva a certo encantamento que a paisagem serrana nos desperta.
        Encanto de inefável beleza é poder ouvir, à noite, sempre quando ocorre, os ventos correr em sons graves e agudos por todas as montanhas da Serra a nos fazer lembrar os órgãos (instrumentos musicais). À primeira impressão, quando ouvimos, pareciam ser os ventos que anunciam as chuvas. Mas, na verdade, são os cantos da Serra que a natureza nos oferece.
        Mesmo dentro do teor filosófico, há, a nosso ver, uma pequenina opacidade na poesia de Raul de Leoni marcada apenas por uma palavra: incerteza que, se fosse substituída  por inocência, perderia a rima com a palavra beleza, mas ganharia um sentido mais transparente, característica marcante do  grande  poeta  petropolitano.
        Os Cânticos Serranos têm uma letra que retrata uma situação muito comum no relacionamento de pessoas, principalmente àquelas que têm um convívio no trabalho ou  nos  ambientes  sociais  onde  buscam  a  recreação  e  o   lazer.
        Cumprimentar  as  pessoas  é  um  gesto  de  cortesia  e  envolve sentimentos que podem despertar algo mais que      uma  palavra  de  saudação  ou  de  elogio.
       No passado não muito distante, o poeta tinha um clima  favorável  para  declamar  palavras  de  amor  a  gentis  donzelas ou às senhoras casadas, estimulando-as a prática   das virtudes cristãs ou à apreciação da beleza inefável da  natureza. A mulher é sempre a musa que inspira os mais    belos  sonhos  de  amor.
      A comunicação no passado era mais retraída e estava  subordinada a condicionamentos sociais que impediam uma aproximação mais à vontade onde os desejos pudessem ser manifestados. Hoje, com maior rapidez, o telefone e a internet propiciam oportunidades de aproximação muito maior do que naqueles tempos de outrora, onde o amor era  uma  manifestação  acanhada   e  inocente.
    E assim o tempo corre... ou, melhor dizendo, aproveitando  as palavras do poeta “E a vida foi andando para frente...” Sem a comunicação desejada, há algo novo para ser  completado. Um olhar que ficou pairando no ar e guardado     no coração, uma palavra que veio numa linguagem que   precisa, como capítulo de novela, de uma continuação e de  um  final  feliz.   


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terça-feira, 24 de julho de 2012

MAGDALA

Escrita para canto e piano, a música Magdala, de Assis Republicano, traz os versos de Silveira Neto (1872/1942), membro da Academia Paranaense de Letras, pai do poeta curitibano Tasso da Silveira. No início surge o movimento  allegro con furia, allargando molto lentamente que dá espaço à  letra: “Colo que inveja o mármore leitoso, em taças rubras, tremula de gozo”.
A seguir, no andamento poco più mosso surgem as   palavras do canto: “o champanhe dos beijos gole a gole, Magdala”. No meio da trajetória musical há um crescendo molto que envolve a pergunta: “como ao sonho convertê-la?” A letra da música finaliza dentro do andante lento dolce.
Antes de comentar o enredo que se adapta aos costumes atuais, apresentamos as palavras de Villa–Lobos sobre o autor: “Assis Republicano é um dos mais talentosos compositores brasileiros, equipado de fartos recursos técnicos e de um fraseado espontâneo e agradável”.    (2)
(2)    HEITOR VILLA-LOBOS (in Acervo Virtual – Catálogos on line – Biblioteca Nacional - Rio de Janeiro - RJ)
Acrescentamos que o compositor Antônio de Assis Republicano (1897/1960), a exemplo de seu mestre Francisco Braga, compôs peças sinfônicas. A ópera de sua autoria A Natividade de Jesus foi encenada, em março de 1937, no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Nos idos de 1942, o Hino Nacional Brasileiro, orquestrado pelo compositor gaúcho, foi oficializado por decreto-lei.
A letra da música Magdala, para canto e piano, aborda um tema bastante atual, o colo feminino, comentado em emissoras de rádio, jornais, e em emissoras de televisão.
Antigamente, e ainda hoje, os poetas se encantam diante dos seios da mulher. Castro Alves, o poeta libertador, imaginou sonhos vislumbrando a ideia de seios virginais, Lisboa Serra, poeta e presidente do BB (1853/1855), menciona o encanto feminino nos colos de alabastro. 

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segunda-feira, 23 de julho de 2012

ELEGIA – CREPÚSCULO DE OURO

Destinada para baixo cantante e piano, Elegia – Crepúsculo de Ouro, Opus 10, do compositor paraense Artur Iberê de Lemos (1901/1967) foi escrita em 15 de junho de 1925, nos movimentos andantino moderato, pianíssimo, com suavidade, più mosso, molto legato, cantante e pianíssimo. A letra é de Félix Pacheco. O início descreve um panorama bucólico no qual o sol adormece no poente.
Membro da Academia Brasileira de Letras e, em várias décadas, jornalista do Jornal do Commercio, José Félix Alves Pacheco legou-nos uma obra rica nas áreas da poesia, história e ensaios. Na política exerceu mandatos de deputado federal, senador da República e ministro de Estado das Relações Exteriores.
O canto elegíaco, que a música revela, cria uma atmosfera contemplativa, até mesmo de meditação, e estende sentimentos que buscam o sagrado. A hora é mística do mistério e não do misticismo enganador. É a viagem à alma, sol divino que anima o corpo, numa contemplação ao pôr-do-sol que se espalha no horizonte revelando imagens de beleza transcendente.
O crepúsculo de ouro veste as tardes sentimentais e sugere-nos paz e melancolia. A natureza toda adormece, a tarde é vencida, os pássaros voltam aos seus ninhos, o silêncio cobre a paisagem no horizonte, fazendo a vida diminuir as atividades e o homem percebe que é a hora do silêncio e da meditação. O encontro com a beleza da paisagem o faz voltar-se a si mesmo, em pensamentos reflexivos que o ajudam a sair dos embaraços do caminho.
Assim como precisamos desfazer de um programa para entrar em outro, tanto na informática como na prática, é indispensável desligarmos das coisas passageiras para nos ligarmos as que têm um sentido eterno, mergulhado no sagrado. Daí ter surgido, às seis da tarde, a hora da Ave-Maria, em outros tempos mais reconhecida e devotada. Sem apreciação desse movimento, surgiu, nos dias atuais o declínio de valores éticos e sociais.
O comércio de permuta de valores espirituais sempre esteve presente na vida humana, desde que o mundo é mundo. No roteiro bendito das religiões sempre houve o estímulo à prece como recurso de atrairmos as dádivas preciosas que estão à disposição de todos, independente de qualquer condição social, basta que nos coloquemos à altura de recebê-las.
No sentido inverso, esse comércio também se estabelece, porque as vibrações do pensamento são energias que ganham espaço em direção do estado mental que escolhemos. Se na sustentação dos valores éticos há um clima que estabelece a beleza, na estrada da sombra há perigos que podem dificultar ou mesmo interromper a nossa caminhada, afastando os ideais sublimes que a vida nos oferece.
Se na sabedoria do rei Salomão encontramos as setas que voam pela noite, na palavra do vate piauiense há um aviso sobre a estrada, colocado à beira do abismo:
“Núncios da noite, irmã do mal que do alto desce lenta e lânguida, abrindo um pálio às agonias, só quem vos pode ouvir é o coração do poeta.”
Entre uma e outra, a decisão é sempre nossa. Precisamos dizer mais? Não. Estejamos sempre à vontade para escolher. Vida sublimada pelos ideais nobres, que elegemos num momento de inspiração, eis a nossa opção.
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