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domingo, 8 de março de 2015

LENCINHO BRANCO

El Pañuelito, tango composto por Juan de Dios Filiberto, foi gravado por Carlos Gardel, nos idos de 1921, percorreu o mundo, chegando ao Brasil, em 1956, na voz de Dalva de Oliveira, com o título Lencinho Branco, e, muito tempo depois, volta a Buenos Aires, em 12/06/2013, no Teatro Gran Rex, no palco a cantora brasileira Marisa Monte.
Dois meses depois, ela se apresenta na Cidade das Artes, na Barra da Tijuca, Rio de Janeiro, cantando a mesma música. A letra é uma narrativa de namoro que tem seu desfecho em lembranças de um lenço querido que ela guardou, manchado assim pelo carmim do beijo que ela lhe deu. As lembranças persistem: “lencinho querido, que hei de fazer, se aquele amor não posso esquecer?”
Há uma escolha em manter vivo um relacionamento desfeito, certamente dentro de um clima que a faz feliz por grata recordação. É a forma de amar, doando-se sem esperar nada em troca, nem mesmo uma expectativa de uma volta.
Na hora da despedida, nem sempre estamos sozinhos, há a presença dos amores que já não têm laços materiais que nos acompanham os passos sem interferir em nossas escolhas: são os deuses-lares que foram narrados na antiga história de Roma dos imperadores. Na vertente do sistema de crenças recrudesceu em forma de anjos.
Logicamente, os eflúvios de amor da espiritualidade sacralizada criam um clima que nos fazem felizes, mesmo quando não temos mais a presença da pessoa amada que acalentou, por alguns momentos, nossos sonhos de amor. Reverter a uma situação pessoal, sem compreender a situação, iria, sem dúvida, machucar o coração.
O que é machucado é o ego que não sabe perder e não se conforma com o perdido. Drummond, poeta das Minas Gerais, dizia que “amar o perdido confunde este coração.” Realmente, ninguém ama o perdido, pois isto levaria ao sofrimento.
Nas lembranças amáveis são passadas as horas em que foram vividas um romance. Quem não gosta de lembrar dos momentos que trazem grata recordação? O repertório clássico dos grandes teatros líricos do mundo recordam esses eventos. Os aficionados não se cansam de assistir à cena lírica de Carmem, de Bizet, Aída, de Verdi, Lucia di Lammermoor, de Donizetti, entre tantas outras.
Não abandonamos ninguém, mas deixamos esquecido no banco da Praça Mahatma Gandhi, na Cinelândia, numa manhã de primavera, um lencinho branco que ninguém guardou, no encontro com uma linda mulher solteira que esteve servindo ao Banco do Brasil, na cidade de Roma.
Há outras lembranças que as pessoas guardam, além do lencinho branco, são alianças de ouro de alguém que nunca morreu, embora esteja vivenciando em outra experiência de vida. Nem tudo acaba aqui, os alhures estão em nossa frente.
Lembramo-nos de um momento em que assistimos na Federação das Academias de Letras do Brasil: um orador, no status de viúvo, ao ser convidado para fazer palestra em um determinado dia, ele declinou: “não, esse dia, eu não saio de casa, coloco o retrato da ex-esposa no meu pequenino altar, faço preces a ela e tenho boas recordações”.
Todos têm amores a recordar, mesmo que isto não aconteça em estado de vigília, acontece durante os sonhos, conforme dissemos em 2 parágrafos, a seguir, da crônica CANTIGA DE VIÚVO – 7/10/2012, no blog Fernando Pinheiro, escritor:
 A Seresta n° 7 – Cantiga de Viúvo, de Villa-Lobos, para  canto e piano, foi escrita nos idos de 1926, na cidade do Rio de Janeiro. Posteriormente, em fevereiro de 1979, o compositor paulista Osvaldo Lacerda, o célebre autor da Suite Piratininga e de inúmeras músicas para canto, obras sacras, peças de orquestra e músicas de câmara, escreveu Cantiga de Viúvo, com a letra do poeta Carlos Drummond de Andrade. 
Refletindo o sonho, na praia do sono, a vida apresenta-nos estuante e bela, dentro dos arcanos que deslindam os enigmas do caminhar. O estado de vigília, numa alternância dormir e acordar, revela-nos diariamente os liames que estabelecemos em esferas subjetivas ou etéricas.
Ao ensejo das comemorações dos 450 anos da cidade do Rio de Janeiro, foram apresentadas, em 08 de março de 2015, na Cidade das Artes, Barra da Tijuca, as Bachianas nº 2, 3, 6, 9 e 7, de Villa-Lobos, pela Orquestra Sinfônica Brasileira, sob a regência do Maestro Roberto Minczuk, tendo como solista o pianista Jean-Louis Steuerman.
Sem desmerecer a interpretação de Marisa Monte, que nos encanta pela docilidade, a música Lencinho Branco, na voz de Dalva de Oliveira, é puro tango, tem agudos bem fortes, admirados por Villa-Lobos, o mais importante artista das Américas. 

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