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quarta-feira, 19 de agosto de 2015

O CANTO DE CISNE

O canto de cisne é o último na interpretação artística de um escritor, ator, maestro, cantor, compositor, político, locutor, executivo de empresa, advogado, vendedor ambulante, motoboy, pugilista, jogador de futebol, alfaiate, barbeiro, engraxate, garçom, taxista, ou qualquer outra atividade humana, despedindo-se do seu público. Não é agora o meu caso.
O maior sucesso da cantora Núbia Lafayette a música Devolvi revela que houve uma devolução de tudo: o cordão e a medalha de ouro, a aliança, o retrato e as cartas amorosas com juras mentirosas, só não houve a devolução da saudade que ficou, amargurando o viver de quem ficou lembrando.
No clima do desfecho, muitos casais acenam gestos que podem culminar na continuação do relacionamento, só que agora em outra faixa de rolamento: a de amigos. Isto é perigoso, se houver a intenção de voltar a namorar, pois a impossibilidade os esmagará, assim como quem largou o vício da droga sentindo a vontade de se viciar outra vez.
Diante do desfecho do romance, o ideal é esquecer tudo, pois isto iria levar ao martírio na mesma situação em que esteve Tântalo narrado pela mitologia grega, objeto da crônica A MARCA DE TÂNTALO – 11 de maio de 2015 – blog Fernando Pinheiro, escritor.
Como essas lembranças trazem uma sensação de vazio, buscar substituí-las por algum aforismo, algum pensamento de fácil assimilação que induz ao otimismo e acolher alguma nova amizade que surja para lhe despertar na direção de outro caminho, ainda a ser percorrido.
Esse caminho não é apenas subjetivo, pode ser ainda a calçada, a rua, a praça, o parque onde se faça uma caminhada, exercitando os músculos e arejando a mente com pensamentos que estimulam a liberação da dopamina e serotonina, ficando o corpo mais saudável. Manter-se ocupado numa atividade intelectual é altamente confortador criando uma atmosfera de renovação.
O apego ao passado, em que não houve um aspecto favorável, é algo que não vale a pena lembrar. Como dizemos sempre: os engramas do passado devem ser esquecidos, mas não se lembrando da necessidade que tem de esquecer, porque isto levaria a relembrar.
No passado recente, tive uma experiência muito agradável. Conheci uma filha de um diretor que se mostrou interessada em me conhecer. Ele, já falecido, apareceu em sonhos para a filha e disse que a entrega só se for através do casamento, no molde do passado em que as virgens se casavam com pretendentes escolhidos pelos pais. Ela, sempre obediente ao pai, contou-me do sonho e deu por encerrado o namoro que se iniciava.
O que mais me impressionou foi, em breve período de tempo, ter duas mulheres ao mesmo tempo na mesma pessoa, no momento do beijo. A do beijo encantador era a Malageña salerosa de que nos fala a canção, mundialmente conhecida, e, após o beijo, a paulista que se admirava com o meu jeito de escritor.
Pensei: vou ter duas mulheres, numa mesma mulher, isto me colocava ponderações salutares onde estavam armazenadas nas camadas do tempo as personalidades que vivi, durante os evos, dentro de uma única individualidade. Era o nascer de novo explicitado pelo libertador dos mundos aprisionantes  no encontro que teve com aquele homem que se chamou Nicodemos.
Assim como diz a canção, beijar seus lábios eu queria, mas por ser pobre me despreza por não lhe oferecer riqueza, eu a concedo razão e ainda a elogio: “Malagueña salerosa y decirte niña hermosa.”
Como não a vi mais, a esqueci por completo, embora a evocação de um beijo tivesse sido para mim altamente encantador. Algo ficou registrado no astral e virá, se tiver que vir, nem quero saber como será e se virá mesmo, no momento em que não posso precisar. A simplicidade que gosto de ter elimina toda elucubração de pensamentos soltos pelo ar.
Ainda no tema da separação, o cantor Anísio Silva, com a voz carregada de lirismo, interpretou a canção Alguém me disse, sucesso continuado nas vozes de Maysa, Joelma, Emílio Santiago, Tânia Alves, Roberto Luna, Gal Costa, Ana Carolina: “pouco me importa que te beijem tantas vezes e que tu mudes de paixão todos os meses, se vais beijar como eu bem sei, fazer sonhar como eu sonhei, mas sem ter nunca amor igual ao que eu te dei.”
Se vou ter outra vez o beijo da Malagueña salerosa, pouco me importa, no entanto, estou receptivo ao beijo de qualquer mulher que vier ao meu caminho, vier entregando-se com espontaneidade e leveza. O laço do laçador foi atirado no ar, a mulher que estiver passando, neste círculo, pode ser laçada, mas a conquista devo atribuir sempre a ela.
O canto de cisne marca apenas o final de um ciclo, estendendo-se em oportunidades diferenciadas que podem alcançar outros estágios evolutivos tanto aqui na Terra como em outros mundos em que a transcendência faz ultrapassar o momento atual.

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