O canto de cisne é
o último na interpretação artística de um escritor, ator, maestro, cantor,
compositor, político, locutor, executivo de empresa, advogado, vendedor
ambulante, motoboy, pugilista, jogador de futebol, alfaiate, barbeiro,
engraxate, garçom, taxista, ou qualquer outra atividade humana, despedindo-se
do seu público. Não é agora o meu caso.
O maior sucesso da cantora Núbia
Lafayette a música Devolvi revela que houve uma devolução de tudo: o cordão e a
medalha de ouro, a aliança, o retrato e as cartas amorosas com juras
mentirosas, só não houve a devolução da saudade que ficou, amargurando o viver
de quem ficou lembrando.
No clima do desfecho, muitos casais
acenam gestos que podem culminar na continuação do relacionamento, só que agora
em outra faixa de rolamento: a de amigos. Isto é perigoso, se houver a intenção
de voltar a namorar, pois a impossibilidade os esmagará, assim como quem largou
o vício da droga sentindo a vontade de se viciar outra vez.
Diante do desfecho do romance, o ideal
é esquecer tudo, pois isto iria levar ao martírio na mesma situação em que
esteve Tântalo narrado pela mitologia grega, objeto da crônica A MARCA DE TÂNTALO
– 11 de maio de 2015 – blog Fernando Pinheiro, escritor.
Como essas lembranças trazem uma
sensação de vazio, buscar substituí-las por algum aforismo, algum pensamento de
fácil assimilação que induz ao otimismo e acolher alguma nova amizade que surja
para lhe despertar na direção de outro caminho, ainda a ser percorrido.
Esse caminho não é apenas subjetivo,
pode ser ainda a calçada, a rua, a praça, o parque onde se faça uma caminhada,
exercitando os músculos e arejando a mente com pensamentos que estimulam a
liberação da dopamina e serotonina, ficando o corpo mais saudável. Manter-se
ocupado numa atividade intelectual é altamente confortador criando uma
atmosfera de renovação.
O apego ao passado, em que não houve um
aspecto favorável, é algo que não vale a pena lembrar. Como dizemos sempre: os
engramas do passado devem ser esquecidos, mas não se lembrando da necessidade
que tem de esquecer, porque isto levaria a relembrar.
No passado recente, tive uma
experiência muito agradável. Conheci uma filha de um diretor que se mostrou
interessada em me conhecer. Ele, já falecido, apareceu em sonhos para a filha e
disse que a entrega só se for através do casamento, no molde do passado em que
as virgens se casavam com pretendentes escolhidos pelos pais. Ela, sempre obediente
ao pai, contou-me do sonho e deu por encerrado o namoro que se iniciava.
O que mais me impressionou foi, em
breve período de tempo, ter duas mulheres ao mesmo tempo na mesma pessoa, no
momento do beijo. A do beijo encantador era a Malageña salerosa de que nos fala
a canção, mundialmente conhecida, e, após o beijo, a paulista que se admirava
com o meu jeito de escritor.
Pensei: vou ter duas mulheres, numa
mesma mulher, isto me colocava ponderações salutares onde estavam armazenadas
nas camadas do tempo as personalidades que vivi, durante os evos, dentro de uma
única individualidade. Era o nascer de novo explicitado pelo libertador dos
mundos aprisionantes no encontro que
teve com aquele homem que se chamou Nicodemos.
Assim como diz a canção, beijar seus
lábios eu queria, mas por ser pobre me despreza por não lhe oferecer riqueza,
eu a concedo razão e ainda a elogio: “Malagueña salerosa y decirte niña
hermosa.”
Como não a vi mais, a esqueci por
completo, embora a evocação de um beijo tivesse sido para mim altamente
encantador. Algo ficou registrado no astral e virá, se tiver que vir, nem quero
saber como será e se virá mesmo, no momento em que não posso precisar. A
simplicidade que gosto de ter elimina toda elucubração de pensamentos soltos
pelo ar.
Ainda no tema da separação, o cantor
Anísio Silva, com a voz carregada de lirismo, interpretou a canção Alguém me
disse, sucesso continuado nas vozes de Maysa, Joelma, Emílio Santiago, Tânia
Alves, Roberto Luna, Gal Costa, Ana Carolina: “pouco me importa que te beijem
tantas vezes e que tu mudes de paixão todos os meses, se vais beijar como eu
bem sei, fazer sonhar como eu sonhei, mas sem ter nunca amor igual ao que eu te
dei.”
Se vou ter outra vez o beijo da
Malagueña salerosa, pouco me importa, no entanto, estou receptivo ao beijo de
qualquer mulher que vier ao meu caminho, vier entregando-se com espontaneidade
e leveza. O laço do laçador foi atirado no ar, a mulher que estiver passando,
neste círculo, pode ser laçada, mas a conquista devo atribuir sempre a ela.
O canto de cisne marca apenas o final
de um ciclo, estendendo-se em oportunidades diferenciadas que podem alcançar
outros estágios evolutivos tanto aqui na Terra como em outros mundos em que a
transcendência faz ultrapassar o momento atual.
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