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domingo, 22 de novembro de 2015

À BUSCA DO PASSADO

Viagem aos seios de Duília, filme luso-brasileiro (1964), tem por base um conto de Aníbal Machado, com roteiro de Orígenes Lessa, sob a direção de Carlos Hugo Christensen, retrata a busca do passado que José Maria empreendeu da cidade do Rio de Janeiro ao lugarejo Pouso Triste, interior de Minas Gerais. No elenco, os atores Rodolfo Mayer (José Maria), Nathália Timberg (Adélia), Lícia Magna (Duília), nos principais papéis.
Antes, ele se lembrava do tempo em que era funcionário público que pegava, nos dias úteis, o bondinho das 10:15h que descia do Silvestre, e largava do trabalho às 19:00h, ao longo de 36 anos. Agora, aposentado da Repartição, acha a vida triste. 
De tanto pensar no passado, numa noite ao dormir, teve um sonho e viu uma cidade erguida numa montanha onde Duília lhe repetiu aquele gesto de outrora quando era namorada dele, aos quinze anos, ao caminhar numa procissão, mostrando-lhe os lindos seios num gesto ingênuo.
Solteiro durante toda a vida, José Maria não pensou em se casar, pensando que um dia voltaria a se encontrar com Duília. Mas tudo muda com o tempo, citando Aníbal Machado: “em verdade o tempo não descansa nunca, nem mesmo nas pirâmides, nem nos horizontes onde parece pernoitar.” 
De certa forma, a vida de José Maria se assemelhava ao castigo de Sísifo (mitologia grega) que empurrava uma pedra que nunca alcançara ao cume da montanha, refazendo a mesma rotina: pegar o bondinho de Santa Teresa, tomar café na Avenida, a mesma sala de trabalho na Repartição, onde era chefe. Tudo isto impossibilitando-o a desfrutar a vida em viagens e passeios. Ele era sócio de um clube na Lagoa mas nunca esteve por lá. Em resumo, mesmo lendo os jornais e ouvindo rádio, não percebia o que estava acontecendo ao seu redor.
Na viagem de retorno a Minas Gerais, defronta-se com a ilusão que nutria em seus sonhos: encontra-se com a viúva Dudu, de cabelos brancos e cariados, lecionando numa escola rural. No encontro, ele falou: “lembra-se de um rapazinho, há muitos anos, que a viu numa procissão. Nós tínhamos parado debaixo de uma árvore... lembra-se?”
De cabeça para baixo, ela lhe disse: “que veio fazer neste fim de mundo, seu José Maria?”. Ele respondeu: “vim à procura do meu passado.” Atônito, ele pousou os olhos no colo murcho da mulher e percebeu que o melhor da Duília estava em sua imaginação e, na tarde que descia, descia também aquele encantamento que não teve mais sustentação.
Ao que tudo indica, podemos ver José Maria alimentando dentro de si o mito de Sísifo, a “máscara fria”, no dizer de Adélia, a secretária que sempre trajava um vestido comprido com largo decote, projetando ele esse mito no decorrer de toda a existência.   
Duília, antes tão longe, agora tão perto, parece não mais existir para ele, a “máscara fria” impossibilita-o a ter a visão que estava acalentando em seus sonhos de profissional competente quando estava na ativa.
Diferente dos sonhos de José Maria é a trajetória de Ovídio Xavier de Abreu, natural de Minas Gerais, o primeiro funcionário a ocupar o cargo de presidente do Banco do Brasil, em caráter efetivo, no período de 23 de julho de 1949 a 18 de dezembro de 1950. Novamente, o interior de Minas Gerais volta a nossa narrativa.
No tempo em que esteve servindo ao Banco do Brasil, o estado civil de Ovídio de Abreu era solteiro. A propósito, transcrevemos textos inseridos na História do Banco do Brasil, de Fernando Pinheiro, obra disponibilizada ao público pela internet no site www.fernandopinheirobb.com.br
Três meses após o banquete de gala em homenagem ao presidente do Banco do Brasil (outubro/1950), ocorrem as eleições e Getúlio Vargas conquista o cargo de presidente da República e, em Minas Gerais, Ovídio Xavier de Abreu é eleito deputado federal com a maior votação nas urnas mineiras (43.115 votos).
Em 18/12/1950, Ovídio de Abreu despediu-se, em eloquente discurso, da Presidência do Banco do Brasil para assumir, em fevereiro/1951, o mandato de deputado na Câmara dos Deputados, enaltecendo a personalidade do diretor Jorge de Toledo Dodsworth que assumia, interinamente, o cargo de presidente [Revista AABB – Rio – 1950]. (...)
No ano seguinte, dia 22 de março de 1952, sob intenso regozijo, a cidade de Araxá, interior de Minas, recebe a visita de ilustres convidados para assistir à solenidade do casamento do deputado federal Ovídio Xavier de Abreu com a jovem Júlia Santos de Abreu. Entre eles, destacamos os governadores Juscelino Kubitschek (Minas Gerais), Arnon Afonso de Farias Melo (Alagoas) e Sílvio Piza Pedrosa (Rio Grande do Norte) [Retrato p & b – 30 cm x 24 cm – Acervo: Academia de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil].
A cerimônia religiosa foi conduzida por um ilustre filho de Minas Gerais: Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota, cardeal–arcebispo de São Paulo [Retratos p & b – 30 cm x 24 cm – Acervo: Academia de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil].
Vale ressaltar ainda a presença dos deputados federais Benedito Valadares, Ranieri Mazzili, Drault Ernani, Último de Carvalho e Bias Fortes; senador Assis Chateaubriand, além da 1ª dama estadual, Sara Kubitschek, Berent Friele, antigo presidente do American Brazilian Association, Inc., e o jovem bancário Amador Aguiar, superintendente da Casa Bancária Almeida & Cia. Mais tarde, Amador Aguiar iria fazer história no Bradesco.
Na união abençoada por Deus, o casal teve 4 filhos: Ovídio de Abreu Filho, Alexandre Santos de Abreu, Júlia de Abreu, Randolfo Santos de Abreu. Ovídio de Abreu, em mandatos sucessivos, é reeleito, em 1954, 1958, 1962 e 1966, deputado federal, na legenda PSD e, por último, ARENA. Em 1967 a 1970 exerce o cargo de secretário de Finanças de Minas Gerais no governo de Israel Pinheiro.
O advogado Ovídio de Lima Abreu, filho de Randolpho Xavier de Abreu com Dalila de Lima Abreu, trabalhou e aposentou–se pelo Banco do Brasil. Dentre os netos de Randolpho Xavier de Abreu destaca-se Cláudia Abreu, consagrada atriz de cinema, teatro e televisão (Rede Globo), filha de Regina Abreu e de Hélcio Varella.
Cláudia Abreu ingressou na vida artística nos idos de 1986 (episódio Teletema, levado ao ar pela TV Globo), graças ao aconselhamento do tio-avô Ovídio Xavier de Abreu (1898/1990) que, nos idos de 1958/1959, encenou peças no Teatro Tablado, no Rio de Janeiro, em caráter amador, daí a razão de apontarmos o antigo presidente do Banco do Brasil com a fisionomia hollywoodiana, à época em que Hollywood vivia a época de ouro do cinema.
Com mil possibilidades de realização que a vida nos dá, quando a aposentadoria surge, encontramo-nos livres de horário, sem destino e sem chapéu. No passado, era moda os homens usar chapéu quando saíam para trabalhar. Naquela época, o chapéu era um símbolo de responsabilidade. Hoje é diferente, tem até chapéu de aposentado. Chapéu panamá, no passado, restrito aos homens, hoje é usado também pelas mulheres.      
Possibilidades existem, sim, o importante é acionar o destino, esse caprichoso condutor de almas, transformando as  possibilidades em probabilidades. Os sonhos estão aí.
Retratamos duas trajetóras distintas em Minas Gerais ao focalizar situação de dois servidores que se aposentaram de repartição pública (nome que se dava a quem trabalhava em autarquias, ministérios, estatais) e relembramos agora, para finalizar, o comentário que fizemos da música En Aranjuez con tu amor, título de nossa crônica de 7/10/2014:
A letra é derramada em lirismo que nos remete a imagem ideoplástica em que há um rumor de fonte de cristal irradiando uma frequência de onda chegando junto a rosas do jardim. Há folhas secas no chão que também está envolvida no sussurrar da fonte, atingindo as lembranças de um romance que acabou e parece reviver nessa onda.
A letra da canção enfatiza: “talvez esse amor esteja escondido em um pôr do sol, na brisa ou em uma flor à espera de seu retorno.” Olha aí o colapso da função de onda de Schrödinger. Pensando nos Jardins de Aranjuez, Joaquin Rodrigo escreveu esse concerto nos idos de 1939, e 52 anos mais tarde, ei-lo Comendador recebendo o título de Marquês dos Jardins de Aranjuez, concedido pelo rei Juan Carlos I.
No campo dos sentimentos vemos o amor recrudescendo o passado que ficou guardado no coração. Encontros acontecem com os antigos amores que se separaram por circunstâncias diversas e são identificados entre si como naquele instante em que houve o primeiro olhar. Isto transcende à esfera física, pois em sonhos podemos nos encontrar com os amores de nossas vidas.
É necessário manter a frequência elevada de um amor frustrado ou acabado num adeus que se perdeu no tempo, perdido apenas nas aparências, pois o fenômeno de Schrödinger, que todos nós fazemos ao pensar, faz esse entrelaçamento que interliga com os amores escolhidos. Isto é física quântica, tão simples como o modo de pensar.
Em frequência de onda revestida de incerteza e de desencantos há uma predisposição orgânica para uma disfunção que atinge a célula, depois o órgão, instalando a doença. A saudade pode ser benéfica ou maléfica (dualismo humano) dependendo como a encaramos. No primeiro caso, há um doce enlevo encantando-nos a alma, o coração, o nosso ser profundo que emerge para resplandecer a luz. [EN ARANJUEZ CON TU AMOR – 7/10/2014 – blog Fernando Pinheiro, escritor].    

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