Viagem aos seios
de Duília, filme luso-brasileiro (1964), tem por base um conto de Aníbal
Machado, com roteiro de Orígenes Lessa, sob a direção de Carlos Hugo
Christensen, retrata a busca do passado que José Maria empreendeu da cidade do
Rio de Janeiro ao lugarejo Pouso Triste, interior de Minas Gerais. No elenco, os
atores Rodolfo Mayer (José Maria), Nathália Timberg (Adélia), Lícia Magna
(Duília), nos principais papéis.
Antes, ele se lembrava do tempo em
que era funcionário público que pegava, nos dias úteis, o bondinho das 10:15h
que descia do Silvestre, e largava do trabalho às 19:00h, ao longo de 36 anos.
Agora, aposentado da Repartição, acha a vida triste.
De tanto pensar no passado, numa
noite ao dormir, teve um sonho e viu uma cidade erguida numa montanha onde Duília
lhe repetiu aquele gesto de outrora quando era namorada dele, aos quinze anos,
ao caminhar numa procissão, mostrando-lhe os lindos seios num gesto ingênuo.
Solteiro durante toda a vida, José
Maria não pensou em se casar, pensando que um dia voltaria a se encontrar com
Duília. Mas tudo muda com o tempo, citando Aníbal Machado: “em verdade o tempo
não descansa nunca, nem mesmo nas pirâmides, nem nos horizontes onde parece
pernoitar.”
De certa forma, a vida de José Maria
se assemelhava ao castigo de Sísifo (mitologia grega) que empurrava uma pedra
que nunca alcançara ao cume da montanha, refazendo a mesma rotina: pegar o
bondinho de Santa Teresa, tomar café na Avenida, a mesma sala de trabalho na
Repartição, onde era chefe. Tudo isto impossibilitando-o a desfrutar a vida em
viagens e passeios. Ele era sócio de um clube na Lagoa mas nunca esteve por lá.
Em resumo, mesmo lendo os jornais e ouvindo rádio, não percebia o que estava acontecendo
ao seu redor.
Na viagem de retorno a Minas Gerais,
defronta-se com a ilusão que nutria em seus sonhos: encontra-se com a viúva
Dudu, de cabelos brancos e cariados, lecionando numa escola rural. No encontro,
ele falou: “lembra-se de um rapazinho, há muitos anos, que a viu numa
procissão. Nós tínhamos parado debaixo de uma árvore... lembra-se?”
De cabeça para baixo, ela lhe disse:
“que veio fazer neste fim de mundo, seu José Maria?”. Ele respondeu: “vim à
procura do meu passado.” Atônito, ele pousou os olhos no colo murcho da mulher
e percebeu que o melhor da Duília estava em sua imaginação e, na tarde que
descia, descia também aquele encantamento que não teve mais sustentação.
Ao que tudo indica, podemos ver José
Maria alimentando dentro de si o mito de Sísifo, a “máscara fria”, no dizer de
Adélia, a secretária que sempre trajava um vestido comprido com largo decote,
projetando ele esse mito no decorrer de toda a existência.
Duília, antes tão longe, agora tão
perto, parece não mais existir para ele, a “máscara fria” impossibilita-o a ter
a visão que estava acalentando em seus sonhos de profissional competente quando
estava na ativa.
Diferente dos sonhos de José Maria é
a trajetória de Ovídio Xavier de Abreu, natural de Minas Gerais, o primeiro funcionário
a ocupar o cargo de presidente do Banco do Brasil, em caráter efetivo, no
período de 23 de julho de 1949 a 18 de dezembro de 1950. Novamente, o interior
de Minas Gerais volta a nossa narrativa.
No tempo em que esteve servindo ao
Banco do Brasil, o estado civil de Ovídio de Abreu era solteiro. A propósito,
transcrevemos textos inseridos na História do Banco do Brasil, de Fernando
Pinheiro, obra disponibilizada ao público pela internet no site
www.fernandopinheirobb.com.br
Três meses após o banquete de gala em homenagem ao
presidente do Banco do Brasil (outubro/1950), ocorrem as eleições e Getúlio
Vargas conquista o cargo de presidente da República e, em Minas Gerais, Ovídio
Xavier de Abreu é eleito deputado federal com a maior votação nas urnas
mineiras (43.115 votos).
Em 18/12/1950, Ovídio de Abreu despediu-se, em eloquente
discurso, da Presidência do Banco do Brasil para assumir, em fevereiro/1951, o
mandato de deputado na Câmara dos Deputados, enaltecendo a personalidade do
diretor Jorge de Toledo Dodsworth que assumia, interinamente, o cargo de
presidente [Revista AABB – Rio – 1950]. (...)
No ano seguinte, dia 22 de março de 1952, sob intenso
regozijo, a cidade de Araxá, interior de Minas, recebe a visita de ilustres
convidados para assistir à solenidade do casamento do deputado federal Ovídio
Xavier de Abreu com a jovem Júlia Santos de Abreu. Entre eles, destacamos os
governadores Juscelino Kubitschek (Minas Gerais), Arnon Afonso de Farias Melo
(Alagoas) e Sílvio Piza Pedrosa (Rio Grande do Norte) [Retrato p & b – 30
cm x 24 cm – Acervo: Academia de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil].
A cerimônia religiosa foi conduzida por um ilustre filho
de Minas Gerais: Dom Carlos Carmelo de Vasconcelos Mota, cardeal–arcebispo de
São Paulo [Retratos p & b – 30 cm x 24 cm – Acervo: Academia de Letras dos
Funcionários do Banco do Brasil].
Vale ressaltar ainda a presença dos deputados federais
Benedito Valadares, Ranieri Mazzili, Drault Ernani, Último de Carvalho e Bias
Fortes; senador Assis Chateaubriand, além da 1ª dama estadual, Sara Kubitschek,
Berent Friele, antigo presidente do American Brazilian Association, Inc., e o
jovem bancário Amador Aguiar, superintendente da Casa Bancária Almeida &
Cia. Mais tarde, Amador Aguiar iria fazer história no Bradesco.
Na união abençoada por Deus, o casal teve 4 filhos:
Ovídio de Abreu Filho, Alexandre Santos de Abreu, Júlia de Abreu, Randolfo
Santos de Abreu. Ovídio de Abreu, em mandatos sucessivos, é reeleito, em 1954,
1958, 1962 e 1966, deputado federal, na legenda PSD e, por último, ARENA. Em
1967 a 1970 exerce o cargo de secretário de Finanças de Minas Gerais no governo
de Israel Pinheiro.
O
advogado Ovídio de Lima Abreu, filho de Randolpho Xavier de Abreu com Dalila de
Lima Abreu, trabalhou e aposentou–se pelo Banco do Brasil. Dentre os netos de
Randolpho Xavier de Abreu destaca-se Cláudia Abreu, consagrada atriz de cinema,
teatro e televisão (Rede Globo), filha de Regina Abreu e de Hélcio Varella.
Cláudia
Abreu ingressou na vida artística nos idos de 1986 (episódio Teletema, levado
ao ar pela TV Globo), graças ao aconselhamento do tio-avô Ovídio Xavier de
Abreu (1898/1990) que, nos idos de 1958/1959, encenou peças no Teatro Tablado,
no Rio de Janeiro, em caráter amador, daí a razão de apontarmos o antigo
presidente do Banco do Brasil com a fisionomia hollywoodiana, à época em que
Hollywood vivia a época de ouro do cinema.
Com mil possibilidades de realização
que a vida nos dá, quando a aposentadoria surge, encontramo-nos livres de
horário, sem destino e sem chapéu. No passado, era moda os homens usar chapéu
quando saíam para trabalhar. Naquela época, o chapéu era um símbolo de
responsabilidade. Hoje é diferente, tem até chapéu de aposentado. Chapéu
panamá, no passado, restrito aos homens, hoje é usado também pelas
mulheres.
Possibilidades existem, sim, o
importante é acionar o destino, esse caprichoso condutor de almas, transformando
as possibilidades em probabilidades. Os
sonhos estão aí.
Retratamos duas trajetóras distintas
em Minas Gerais ao focalizar situação de dois servidores que se aposentaram de
repartição pública (nome que se dava a quem trabalhava em autarquias,
ministérios, estatais) e relembramos agora, para finalizar, o comentário que fizemos
da música En Aranjuez con tu amor, título de nossa crônica de 7/10/2014:
A letra é derramada em lirismo que
nos remete a imagem ideoplástica em que há um rumor de fonte de cristal
irradiando uma frequência de onda chegando junto a rosas do jardim. Há folhas
secas no chão que também está envolvida no sussurrar da fonte, atingindo as
lembranças de um romance que acabou e parece reviver nessa onda.
A letra da canção enfatiza: “talvez
esse amor esteja escondido em um pôr do sol, na brisa ou em uma flor à espera
de seu retorno.” Olha aí o colapso da função de onda de Schrödinger. Pensando
nos Jardins de Aranjuez, Joaquin Rodrigo escreveu esse concerto nos idos de
1939, e 52 anos mais tarde, ei-lo Comendador recebendo o título de Marquês dos
Jardins de Aranjuez, concedido pelo rei Juan Carlos I.
No campo dos sentimentos vemos o amor
recrudescendo o passado que ficou guardado no coração. Encontros acontecem com
os antigos amores que se separaram por circunstâncias diversas e são
identificados entre si como naquele instante em que houve o primeiro olhar.
Isto transcende à esfera física, pois em sonhos podemos nos encontrar com os
amores de nossas vidas.
É necessário manter a frequência
elevada de um amor frustrado ou acabado num adeus que se perdeu no tempo,
perdido apenas nas aparências, pois o fenômeno de Schrödinger, que todos nós
fazemos ao pensar, faz esse entrelaçamento que interliga com os amores
escolhidos. Isto é física quântica, tão simples como o modo de pensar.
Em frequência de onda revestida de
incerteza e de desencantos há uma predisposição orgânica para uma disfunção que
atinge a célula, depois o órgão, instalando a doença. A saudade pode ser
benéfica ou maléfica (dualismo humano) dependendo como a encaramos. No primeiro
caso, há um doce enlevo encantando-nos a alma, o coração, o nosso ser profundo
que emerge para resplandecer a luz. [EN ARANJUEZ CON TU AMOR – 7/10/2014 – blog
Fernando Pinheiro, escritor].
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