Nas volutas do
turíbulo o perfume e o calor voam em ondas que desmancham no ar,
despertando-nos os sentidos, numa das primeiras manifestações da
espiritualidade, como ocorreu nos templos da Antiguidade, ainda conservados nos
ritos religiosos das catedrais.
A música sacra, os
gestos que encenam passagens bíblicas revelam a fidelidade aos mensageiros da
luz que trouxeram uma bagagem rica aos famintos e sedentos da revelação do
paraíso.
Se a rosa desperta até
mesmo nos lugares onde a beleza está encoberta de formas transmutáveis, por que
não a apreciaríamos num jardim cultivado?
Nos recintos sagrados
há vibrações revestidas de amor, aquele mesmo amor que seus guardiães
conservaram ao resplandecer a luz de que eram humildes mensageiros.
Por não ouvir a voz do
pastor, as ovelhas da montanha desceram às planícies onde há lama e lodo que
lhes impedem a caminhada.
O pastor no rochedo,
como nos fala a canção de Schubert, nos traz a suavidade da neblina que
refresca as flores e distribui o orvalho recém-nascido.
Tudo é sagrado. Os
templos, os amores, a fuga das ovelhas, a alegria do retorno, as lágrimas que
espalham a despedida ou a emoção reconquistada de um sentimento que antes não
tinha valor.
Por estar submerso no
processo analítico, onde os cinco sentidos têm o seu reinado, o homem não deixa
sair a manifestação do seu mundo subjetivo que possui raízes de todas as
florações da existência humana.
O pastor no rochedo,
musicado na beleza clássica, nos revela a contemplação do mundo íntimo em que
as ovelhas estão agasalhadas; aquelas que ouvem o canto seguem o rebanho, as
outras isoladas buscam os caminhos estranhos como se fossem homens analisando
as aparências sem ouvir a voz íntima que repercute um sentido mais profundo.
Analisar os templos
apenas em sua forma material é esquecer as mensagens que neles são cantadas,
como a canção do pastor no rochedo, se Schubert, de impressionante beleza
clássica. Quem pode detê-la, se nela existe a imortalidade?
Numa noite de outono,
durante o sono, sonhamos que ao entrar
na Catedral de Petrópolis ouvimos uma voz de soprano lírico cantando a
Ave Maria, de Mascagni. Ao pé do altar, um monge estava de joelhos, em suave
meditação. Era noite, mas havia claridade de luar dentro da Catedral.
O sentido comum,
nascido da revelação do pastor no rochedo, ainda é o caminho seguro onde as
ovelhas encontrarão o abrigo.
Por que a rebeldia
contra os ventos que derrubam árvores anunciando as tempestades que levam a
poluição? A força da correnteza, vinda das fontes, remove as águas paradas que
se incorporam aos rios em direção ao mar.
A ética moral que se
manteve paralisada pelos agentes que a pontificavam em seus interesses
particulares está sendo removida pelas ondas que exigem transformação. A
evolução abrange todos os sistemas em que a vida se manifesta.
A beleza muda de
formas, como a crisálida em borboleta, mas a a essência que a mantém eterna
será única em todas as fases da evolução.
Enquanto isto, a
liturgia dos templos, que se manifesta na canção do pastor no rochedo e nas
volutas do turíbulo, será a mesma, embora mudem os tempos, pois o perfume e o
calor das grandes essências serão sempre cultivados por aqueles que trazem a
beleza resplandecendo dentro de si.
Blog Fernando Pinheiro, escritor
Site www.fernandopinheirobb.com.br
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