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domingo, 11 de novembro de 2012

LITURGIA

Nas volutas do turíbulo o perfume e o calor voam em ondas que desmancham no ar, despertando-nos os sentidos, numa das primeiras manifestações da espiritualidade, como ocorreu nos templos da Antiguidade, ainda conservados nos ritos religiosos das catedrais.
A música sacra, os gestos que encenam passagens bíblicas revelam a fidelidade aos mensageiros da luz que trouxeram uma bagagem rica aos famintos e sedentos da revelação do paraíso.
Se a rosa desperta até mesmo nos lugares onde a beleza está encoberta de formas transmutáveis, por que não a apreciaríamos num jardim cultivado?
Nos recintos sagrados há vibrações revestidas de amor, aquele mesmo amor que seus guardiães conservaram ao resplandecer a luz de que eram humildes mensageiros.
Por não ouvir a voz do pastor, as ovelhas da montanha desceram às planícies onde há lama e lodo que lhes impedem a caminhada.
O pastor no rochedo, como nos fala a canção de Schubert, nos traz a suavidade da neblina que refresca as flores e distribui o orvalho recém-nascido.
Tudo é sagrado. Os templos, os amores, a fuga das ovelhas, a alegria do retorno, as lágrimas que espalham a despedida ou a emoção reconquistada de um sentimento que antes não tinha valor.
Por estar submerso no processo analítico, onde os cinco sentidos têm o seu reinado, o homem não deixa sair a manifestação do seu mundo subjetivo que possui raízes de todas as florações da existência humana.
O pastor no rochedo, musicado na beleza clássica, nos revela a contemplação do mundo íntimo em que as ovelhas estão agasalhadas; aquelas que ouvem o canto seguem o rebanho, as outras isoladas buscam os caminhos estranhos como se fossem homens analisando as aparências sem ouvir a voz íntima que repercute um sentido mais profundo.
Analisar os templos apenas em sua forma material é esquecer as mensagens que neles são cantadas, como a canção do pastor no rochedo, se Schubert, de impressionante beleza clássica. Quem pode detê-la, se nela existe a imortalidade?
Numa noite de outono, durante o sono, sonhamos que ao entrar  na Catedral de Petrópolis ouvimos uma voz de soprano lírico cantando a Ave Maria, de Mascagni. Ao pé do altar, um monge estava de joelhos, em suave meditação. Era noite, mas havia claridade de luar dentro da Catedral.
O sentido comum, nascido da revelação do pastor no rochedo, ainda é o caminho seguro onde as ovelhas encontrarão o abrigo.
Por que a rebeldia contra os ventos que derrubam árvores anunciando as tempestades que levam a poluição? A força da correnteza, vinda das fontes, remove as águas paradas que se incorporam aos rios em direção ao mar.
A ética moral que se manteve paralisada pelos agentes que a pontificavam em seus interesses particulares está sendo removida pelas ondas que exigem transformação. A evolução abrange todos os sistemas em que a vida se manifesta.
A beleza muda de formas, como a crisálida em borboleta, mas a a essência que a mantém eterna será única em todas as fases da evolução.
Enquanto isto, a liturgia dos templos, que se manifesta na canção do pastor no rochedo e nas volutas do turíbulo, será a mesma, embora mudem os tempos, pois o perfume e o calor das grandes essências serão sempre cultivados por aqueles que trazem a beleza resplandecendo dentro de si.  

Blog Fernando Pinheiro, escritor
Site  www.fernandopinheirobb.com.br

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