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quinta-feira, 25 de agosto de 2016

DANÇA DE ANITRA & CANÇÃO DE SOLVEIG

Grande cobertura da Olimpíada Rio - 2016, parabéns. Você falou em marroquinos, vai uma crônica A DANÇA DE ANITRA, de Fernando Pinheiro, que se passa em Marrocos.
No Youtube, a bailarina Elena Kulagina apresenta A Dança de Anitra que faz parte do 3º movimento da suite Peer Gynt, de Grieg. Na coreografia do balé, Anitra dança tentando seduzir Peer Gynt que estava acompanhado por uma mulher do grupo de beduínos.   
Nas andanças de Peer Gynt, percorrendo montanhas, bosques, desertos e mares, chega a Marrocos onde se torna um homem rico e de sucesso, graças ao comércio de escravos. Ao revelar como se tornou um homem de negócios, os seus sócios ficaram com inveja e roubaram-lhe o barco e as jóias.
Andando a esmo pela orla marítima, ele se depara com um cavalo, roupas e jóias roubadas e abandonadas pelos ladrões. Ele recolhe os achados e passa a se vestir na indumentária de um emir. Nessa nova aparência, um grupo de beduínos o recebe com regalias. Anita o seduz e rouba-lhe os pertences encontrados. [Peer Gynt: encontros e diálogos com a Psicanálise, de João Rodrigo Oliveira e Silva].
A Dança de Anitra esteve na temporada de 2014 no Teatro Municipal de Santiago, uma das danças do balé Peer Gynt, com coreografia de Ben Stevenson, sob a direção de Márcia Haydée, diretora artística do Balé de Santiago, Chile. O papel de Peer Gynt coube a Lucas Alarcón, primer bailarin del Ballet de Santiago.  
A Dança de Anitra está no Youtube (vídeo de Anekcon Epmakob) na cronometragem 1:21:41 a 1:24:01. Nesse vídeo, depois da dança, o bailarino Lucas Alarcón, primer bailarin del Ballet de Santiago, está no papel de Peer Gynt, faz pas de deux com Anitra, interpretada por uma bailarina que não conseguimos identificar. Na coreografia, quatro guarda-costas do sheik, pai de Anitra, vão para cimar de Peer Gynt e o separa de Anitra, depois ele toma uma surra enorme. 
A aventura em Marrocos não foi proveitosa para Peer Gynt. Lá, ele ganhou muito dinheiro, mas sofreu perdas por roubo de pessoas que se aproximaram dele: seus sócios e a mulher que o seduziu dentro de uma dança.  
No encontro de casais, onde o dinheiro é o interesse maior, revela um jogo sedutor em que o sexo é o ponto central do envolvimento. Sexo pago e sexo a pagar dá no mesmo sentido. Pode até haver uma sedução para atrair, com ou sem envolvimento íntimo, que não sabemos até quanto foi o grau em que esteve Anitra. O certo é que ela rejeitou as investidas de Peer Gynt, as mesmas que ela fez a ele, pois no encontro as partes são envolvidas.
Desde o início, já é demonstrado o que uma pessoa quer da outra, se não é percebido, é porque uma delas deseja se envolver, sem ligar para a qualidade do relacionamento que está por vir e que logo acontece quando a escolha ou a aceitação é decidida.
A personalidade de Peer Gynt, aventureiro e desbravador de cenários diversos (montanhas, bosques, desertos e mares), é abordada na obra Peer Gynt: O problema do homem para amar, de Rollo May: “o mito da masculinidade do século XX, pois é uma representação fascinante dos padrões psicológicos e dos conflitos do homem contemporâneo.” (May, 1992, p. 143 – Apud [Peer Gynt: encontros e diálogos com a Psicanálise, de João Rodrigo Oliveira e Silva].
No entanto, em nossa apreciação, o melhor da história de Peer Gynt está no regresso dele à terra natal, onde reencontra o amor de sua vida, desde os tempos da mocidade, retratado na Canção de Solveig que comentamos no post de 15 de outubro de 2012 – blog Fernando Pinheiro, escritor:
Derramando uma envolvente doçura, a voz de Solveig cantava uma canção que falava da espera do seu amado que tardava tanto a chegar. Grieg, o compositor norueguês, a   retratou em sua suíte Peer Gynt.
O romance do casal, narrado em peça dramática pelo escritor Henrik Ibsen, começou em olhares que buscavam a mesma direção, numa festa de casamento em que se  apresentaram como convidados.
 Ela estava acompanhada de seus pais e trazia em suas mãos um livro de cânticos enrolado num lenço. Seus cabelos de cor-de-trigo, seus olhos de um azul turquesa brilhavam como  as lâmpadas da festa.
 Apenas um encontro de olhares, o suficiente para Solveig não perdê-lo de vista em seu coração, embora seus olhos iriam procurá-lo pelas distâncias. O amor tem esses enigmas, esses laços que prendem, não importando as circunstâncias.
 O tempo passa como passam as paixões que incendeiam os desejos inocentes para depois mergulharem no vazio. E, assim, vamos encontrar, na velhice, Peer Gynt voltando para a  cabana onde mora  Solveig.
Vestida de roupa de domingo, carregando o mesmo livro de cânticos enrolado num lenço, como  naquele primeiro encontro, ela pressente a chegada dele e canta a canção que fala de um  amor inesquecível.
 Ao ouvi-la, ele fica atônito, deslumbrado e, acostumado à vida peregrina, não sabe o que fazer. Põe-se a correr pelos campos como a procurar o que já havia encontrado.
 Num impulso que não entende, volta à porta da cabana completamente derrotado pelas ilusões que buscou pelo mundo afora e pede para ela se queixar em voz alta de todos os erros  dele.
 Solveig, esbelta e doce, continuou em sua voz enternecida: “bem-vindo, meu querido, que fez de toda a minha  vida um cântico de amor! Que bom que você voltou!”
Ainda sentindo as emoções em desalinho que o passado refletia naqueles momentos, Peer Gynt ficou desanimado e  falou que  estava  perdido.
A voz de Solveig procura desmanchar a atmosfera sombria em que se encontrava o seu amado, como sol que surge lentamente no horizonte diluindo as brumas do amanhecer.
 O amor tem esse dom: desfazer o avesso e repor o lado direito, lá onde os sonhos aparecem para revelar que a vida tem um sentido bem maior do que aquele em que a nossa  imaginação buscava encontrar.
O aventureiro abatido pediu à sua amada para decifrar o enigma que o atormentava: “onde eu estive durante todo o  tempo em que você não me viu?”
A resposta de quem ama é fácil demais: “você estava onde sempre esteve: em minha fé, na minha esperança, meu amor”, respondeu ela, completamente enternecida.
 Peer Gynt sentiu-se como filho que volta ao lar, e um carinho todo especial, misturado à proteção que sua amada  estava  lhe oferecendo, tocou-lhe  mais  fundo.
 Enquanto o sol se levantava, ela começou a cantar uma doce canção de ninar. Peer Gynt descansava sua cabeça atribulada pelas aventuras sem direção naquele recanto onde sentiu o seu coração bem perto de sua amada.
 A Canção de Solveig é o cântico feliz de quem ama e  confia no amor. E, por assumir uma posição superior aos declínios do caminho, a sua presença vem sempre  acompanhada de proteção.  Alma que redime alma. Não importa se a mulher revela o seu lado materno quando há necessidade para desfazer traumas de caminhos de espinho.
Quem não gostaria de recompor as vestes que estão pelo avesso, apenas numa atitude simples que revela o lado bonito onde podemos nos sentir felizes, caminhando, passeando e principalmente ao lado dos amores que nos encantam   vida!
 A Canção de Solveig é a canção que prepara o leito, as condições para dormir e, num clima refeito das energias gastas, o recomeço de um novo dia em que o amor surge como se fosse  o instante primeiro.

www.fernandopinheirobb.com.br

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