Grande cobertura da Olimpíada Rio - 2016, parabéns. Você falou em
marroquinos, vai uma crônica A DANÇA DE ANITRA, de Fernando Pinheiro, que se
passa em Marrocos.
No
Youtube, a bailarina Elena Kulagina apresenta A Dança de Anitra que faz parte
do 3º movimento da suite Peer Gynt, de Grieg. Na coreografia do balé, Anitra
dança tentando seduzir Peer Gynt que estava acompanhado por uma mulher do grupo
de beduínos.
Nas
andanças de Peer Gynt, percorrendo montanhas, bosques, desertos e mares, chega
a Marrocos onde se torna um homem rico e de sucesso, graças ao comércio de
escravos. Ao revelar como se tornou um homem de negócios, os seus sócios
ficaram com inveja e roubaram-lhe o barco e as jóias.
Andando
a esmo pela orla marítima, ele se depara com um cavalo, roupas e jóias roubadas
e abandonadas pelos ladrões. Ele recolhe os achados e passa a se vestir na
indumentária de um emir. Nessa nova aparência, um grupo de beduínos o recebe
com regalias. Anita o seduz e rouba-lhe os pertences encontrados. [Peer Gynt:
encontros e diálogos com a Psicanálise, de João Rodrigo Oliveira e Silva].
A Dança
de Anitra esteve na temporada de 2014 no Teatro Municipal de Santiago, uma das
danças do balé Peer Gynt, com coreografia de Ben Stevenson, sob a direção de
Márcia Haydée, diretora artística do Balé de Santiago, Chile. O papel de Peer
Gynt coube a Lucas Alarcón, primer bailarin del Ballet de Santiago.
A Dança
de Anitra está no Youtube (vídeo de Anekcon Epmakob) na cronometragem 1:21:41 a
1:24:01. Nesse vídeo, depois da dança, o bailarino Lucas Alarcón, primer
bailarin del Ballet de Santiago, está no papel de Peer Gynt, faz pas de deux
com Anitra, interpretada por uma bailarina que não conseguimos identificar. Na
coreografia, quatro guarda-costas do sheik, pai de Anitra, vão para cimar de
Peer Gynt e o separa de Anitra, depois ele toma uma surra enorme.
A
aventura em Marrocos não foi proveitosa para Peer Gynt. Lá, ele ganhou muito
dinheiro, mas sofreu perdas por roubo de pessoas que se aproximaram dele: seus
sócios e a mulher que o seduziu dentro de uma dança.
No
encontro de casais, onde o dinheiro é o interesse maior, revela um jogo sedutor
em que o sexo é o ponto central do envolvimento. Sexo pago e sexo a pagar dá no
mesmo sentido. Pode até haver uma sedução para atrair, com ou sem envolvimento
íntimo, que não sabemos até quanto foi o grau em que esteve Anitra. O certo é
que ela rejeitou as investidas de Peer Gynt, as mesmas que ela fez a ele, pois
no encontro as partes são envolvidas.
Desde o
início, já é demonstrado o que uma pessoa quer da outra, se não é percebido, é
porque uma delas deseja se envolver, sem ligar para a qualidade do
relacionamento que está por vir e que logo acontece quando a escolha ou a
aceitação é decidida.
A personalidade de Peer Gynt, aventureiro e desbravador de cenários
diversos (montanhas, bosques, desertos e mares), é abordada na obra Peer Gynt:
O problema do homem para amar, de Rollo May: “o mito da masculinidade do século
XX, pois é uma representação fascinante dos padrões psicológicos e dos
conflitos do homem contemporâneo.” (May, 1992, p. 143 – Apud [Peer
Gynt: encontros e diálogos com a Psicanálise, de João Rodrigo Oliveira e
Silva].
No
entanto, em nossa apreciação, o melhor da história de Peer Gynt está no
regresso dele à terra natal, onde reencontra o amor de sua vida, desde os
tempos da mocidade, retratado na Canção de Solveig que comentamos no post de 15
de outubro de 2012 – blog Fernando Pinheiro, escritor:
Derramando
uma envolvente doçura, a voz de Solveig cantava uma canção que falava da espera
do seu amado que tardava tanto a chegar. Grieg, o compositor norueguês,
a retratou em sua suíte Peer Gynt.
O
romance do casal, narrado em peça dramática pelo escritor Henrik Ibsen, começou
em olhares que buscavam a mesma direção, numa festa de casamento em que
se apresentaram como convidados.
Ela
estava acompanhada de seus pais e trazia em suas mãos um livro de cânticos
enrolado num lenço. Seus cabelos de cor-de-trigo, seus olhos de um azul
turquesa brilhavam como as
lâmpadas da festa.
Apenas
um encontro de olhares, o suficiente para Solveig não perdê-lo de vista em seu
coração, embora seus olhos iriam procurá-lo pelas distâncias. O amor tem esses
enigmas, esses laços que prendem, não importando as circunstâncias.
O tempo
passa como passam as paixões que incendeiam os desejos inocentes para depois
mergulharem no vazio. E, assim, vamos encontrar, na velhice, Peer Gynt voltando
para a cabana onde mora Solveig.
Vestida
de roupa de domingo, carregando o mesmo livro de cânticos enrolado num lenço,
como naquele primeiro encontro, ela pressente a
chegada dele e canta a canção que fala de um amor inesquecível.
Ao
ouvi-la, ele fica atônito, deslumbrado e, acostumado à vida peregrina, não sabe
o que fazer. Põe-se a correr pelos campos como a procurar o que já havia
encontrado.
Num
impulso que não entende, volta à porta da cabana completamente derrotado pelas
ilusões que buscou pelo mundo afora e pede para ela se queixar em voz alta de
todos os erros dele.
Solveig,
esbelta e doce, continuou em sua voz enternecida: “bem-vindo, meu querido, que
fez de toda a minha vida
um cântico de amor! Que bom que você voltou!”
Ainda
sentindo as emoções em desalinho que o passado refletia naqueles momentos, Peer
Gynt ficou desanimado e falou que estava perdido.
A voz
de Solveig procura desmanchar a atmosfera sombria em que se encontrava o seu
amado, como sol que surge lentamente no horizonte diluindo as brumas do
amanhecer.
O amor
tem esse dom: desfazer o avesso e repor o lado direito, lá onde os sonhos
aparecem para revelar que a vida tem um sentido bem maior do que aquele em que
a nossa imaginação buscava encontrar.
O
aventureiro abatido pediu à sua amada para decifrar o enigma que o atormentava:
“onde eu estive durante todo o tempo
em que você não me viu?”
A
resposta de quem ama é fácil demais: “você estava onde sempre esteve: em minha
fé, na minha esperança, meu amor”, respondeu ela, completamente
enternecida.
Peer
Gynt sentiu-se como filho que volta ao lar, e um carinho todo especial,
misturado à proteção que sua amada estava lhe oferecendo, tocou-lhe mais fundo.
Enquanto
o sol se levantava, ela começou a cantar uma doce canção de ninar. Peer Gynt
descansava sua cabeça atribulada pelas aventuras sem direção naquele recanto
onde sentiu o seu coração bem perto de sua amada.
A
Canção de Solveig é o cântico feliz de quem ama e confia no amor. E, por assumir uma posição
superior aos declínios do caminho, a sua presença vem sempre acompanhada de proteção. Alma que redime alma. Não importa se a mulher
revela o seu lado materno quando há necessidade para desfazer traumas de
caminhos de espinho.
Quem
não gostaria de recompor as vestes que estão pelo avesso, apenas numa atitude
simples que revela o lado bonito onde podemos nos sentir felizes, caminhando,
passeando e principalmente ao lado dos amores que nos encantam a vida!
A
Canção de Solveig é a canção que prepara o leito, as condições para dormir e,
num clima refeito das energias gastas, o recomeço de um novo dia em que o amor
surge como se fosse o
instante primeiro.
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