No segundo ato da ópera A Vida Breve, de
Manuel de Falla, ocorre a festa de casamento de Carmela e Paco, numa casa
situada numa estreita rua de Granada. Neste cenário surge a célebre Dança Espanhola.
Salud,
uma jovem cigana, doente do mal de amor, como era dito antigamente, e triste
como um pássaro na gaiola, aproxima-se da
janela e canta uma ária em que diz: “antes a vida breve que um longo
martírio”.
Longe
das emoções, sentimos um amor tão grande por aqueles que passam por testes
difíceis. Quase sempre, não os conhecemos pessoalmente, apenas os vimos nos
teatros e nas imagens apresentadas pela televisão.
Seus sonhos, seus amores, o cenário de suas
apresentações estão dentro de suas vidas. Tudo gira num turbilhão de movimentos
e seus pensamentos viajam nesse
carro invisível.
As
etapas, que compõem a escalada do sucesso, se convergem num só instante,
transfigurando a celebração consagradora de quem ama os palcos.
Olhares
que interpretavam enredos de cenas dramáticas e líricas empolgaram o público
que via neles a encarnação do
personagem da peça teatral.
O
intérprete encarna a vida e a transmite na fidelidade da fonte de origem. São
vibrações múltiplas que saem de seus olhos, suas mãos, seus gestos e modos de
respirar.
Mensageiro
da arte, ele tem o dom de perpetuar sentimentos que inspiram a beleza,
preenchendo horas vazias do público que busca algo para se recompor.
Nesse
mundo criativo, a pausa das atividades não tira o talento e a vontade de
interpretar de quem ama a arte. Apenas, o público perde. O artista, mergulhado
nesse mundo, adquire novas disposições, mesmo que a maioria delas seja
apenas mental.
Quem
pode ver tristeza na crisálida, morte de uma forma para renascer em outra, mais
bonita, mais cheia de cores e com
asas para voar?
Presença
marcante na vida, o intérprete não se intimida com os ventos que passam
levantando poeira que pode prejudicar a visão de um olhar que se manteve sempre
calmo e confiante.
Estamos
todos neste palco - vida expressiva de luz e cor - que
congrega aqueles que conhecemos pessoalmente ou nos enredos transmitidos pelo
teatro e pela televisão, naqueles instantes em que buscávamos aprender com a
mensagem neles contida.
Se
nas horas em que o refletor iluminou seus passos, na interpretação eficiente,
estivemos tão perto deles, na hora em que a luz muda de lugar a nossa posição é
aplaudi-los sempre.
A
curiosidade humana é sempre pequenez e não apaga nunca os rastros de luz que
suas interpretações deixaram no coração daqueles que os viam com os olhos de
quem vê a manifestação divina se irradiando em tudo.
As
paisagens de areia, que o vento muda de lugar, em nenhuma hipótese perdem a
vida que nelas existe. E, quando fazemos parte dessas paisagens, vamos
caminhando, acompanhando os contornos
que vão surgindo.
Mesmo
não tendo convivido no cenário dos artistas do teatro e da televisão, sentimos
que tudo que vemos, longe ou perto, nos leva a um círculo sem falhas e
compreendemos porque, na ópera A Vida Breve, a jovem cigana, doente de amor, queria tanto viver, sem sofrer.
Blog Fernando Pinheiro, escritor
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