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quinta-feira, 18 de outubro de 2012

A VIDA BREVE

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        No segundo ato da ópera A Vida Breve, de Manuel de Falla, ocorre a festa de casamento de Carmela e Paco, numa casa situada numa estreita rua de Granada. Neste cenário  surge a célebre Dança Espanhola.

         Salud, uma jovem cigana, doente do mal de amor, como era dito antigamente, e triste como um pássaro na gaiola, aproxima-se da  janela e canta uma ária em que diz: “antes a vida breve que um longo martírio”.

         Longe das emoções, sentimos um amor tão grande por aqueles que passam por testes difíceis. Quase sempre, não os conhecemos pessoalmente, apenas os vimos nos teatros e nas  imagens  apresentadas  pela  televisão.

        Seus sonhos, seus amores, o cenário de suas apresentações estão dentro de suas vidas. Tudo gira num turbilhão de movimentos e seus pensamentos viajam nesse  carro  invisível.   
 
         As etapas, que compõem a escalada do sucesso, se convergem num só instante, transfigurando a celebração consagradora de quem ama os palcos.

         Olhares que interpretavam enredos de cenas dramáticas e líricas empolgaram o público que via neles a encarnação do  personagem  da  peça  teatral.

         O intérprete encarna a vida e a transmite na fidelidade da fonte de origem. São vibrações múltiplas que saem de seus olhos, suas mãos, seus gestos e modos de respirar.

         Mensageiro da arte, ele tem o dom de perpetuar sentimentos que inspiram a beleza, preenchendo horas vazias  do  público  que  busca  algo  para  se  recompor.

         Nesse mundo criativo, a pausa das atividades não tira o talento e a vontade de interpretar de quem ama a arte. Apenas, o público perde. O artista, mergulhado nesse mundo, adquire novas disposições, mesmo que a maioria delas seja apenas  mental.

         Quem pode ver tristeza na crisálida, morte de uma forma para renascer em outra, mais bonita, mais cheia de cores e  com asas para voar?

         Presença marcante na vida, o intérprete não se intimida com os ventos que passam levantando poeira que pode prejudicar a visão de um olhar que se manteve sempre calmo e   confiante.

         Estamos todos neste palco  -  vida expressiva de luz e cor - que congrega aqueles que conhecemos pessoalmente ou nos enredos transmitidos pelo teatro e pela televisão, naqueles instantes em que buscávamos aprender com a mensagem   neles contida.

     Se nas horas em que o refletor iluminou seus passos, na interpretação eficiente, estivemos tão perto deles, na hora em que a luz muda de lugar a nossa posição é aplaudi-los sempre.

         A curiosidade humana é sempre pequenez e não apaga nunca os rastros de luz que suas interpretações deixaram no coração daqueles que os viam com os olhos de quem vê a  manifestação  divina  se  irradiando  em  tudo.

         As paisagens de areia, que o vento muda de lugar, em nenhuma hipótese perdem a vida que nelas existe. E, quando fazemos parte dessas paisagens, vamos caminhando,  acompanhando  os  contornos  que  vão surgindo.

         Mesmo não tendo convivido no cenário dos artistas do teatro e da televisão, sentimos que tudo que vemos, longe ou perto, nos leva a um círculo sem falhas e compreendemos porque, na ópera A Vida Breve, a jovem cigana, doente de  amor, queria tanto viver, sem sofrer.

Blog  Fernando Pinheiro, escritor





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