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segunda-feira, 1 de outubro de 2012

A CARTA


Destinada para canto coral, a música A Carta, de Paulo Malaguti, inicia-se no movimento medianamente forte, suave, muito suave, crescendo, medianamente suave, suave e finaliza em pianíssimo. A letra tem os versos da poetisa Margarida Finkel.
Com a publicação do livro Meu Amanhecer (prefácio de Olegário Mariano), nos idos de 1946, a poetisa iniciou sua carreira literária. Mais tarde, em 1969, publicou Entre gaivota e nuvem (álbum de arte com xilogravuras de Moacir de Figueiredo). Depois, vieram a público No Tear dos Ventos (1980), Ausências Claras (1983), Rede em mar de espelhos (1988) e Do incansável amor cantarei (2000).
No seu livro de estreia, Margarida Finkel recebeu do imortal Adelmar Tavares, membro da Academia Brasileira de Letras, o seguinte depoimento:
“Margarida Finkel - poetisa menina, doce cantora da lua, das árvores, das nuvens e do mar, cujos versos a gente lê e relê, com embevecimento. Essa menina viu abrir, no seu berço, a estrela da poesia.”
Entre os movimentos pianíssimo e fortíssimo, a voz do narrador entoa: “e na noite que vier... Ao ouvires um canto distante... Ainda será meu grito”. Glissando, medianamente suave dá início à retomada do canto coral: “será, será meu grito, será meu grito? e no pássaro voando este grito de força que arremesso / doendo e rompendo os ossos/ estremecendo o homem / triste e paralisado / dentro desta dor universal / do existir”.
Entre dois sinais da fermata, no compasso 3/4, o canto solo entoa: “Só. Será meu grito”. O canto coral finaliza: “que abras esta carta num parque lindo, estou só, só”.
Num clima romântico, a poetisa, sentindo-se a sós, recomenda ao destinatário abrir a carta num parque lindo. Há um grito que se revela na leitura e uma voz explodindo no rosto de quem a lê, acordando nele a necessidade de não se sentir estranho e alheio ao chamado de sua amada.
Como é importante não se sentir estranho num relacionamento a dois, onde o amor corre como a brisa espalhada nas relvas verdes de campo aberto plantado de árvore alta, ecoando a mesma vibração de amor contida na carta.
Crescendo, crescendo este amor, libertando-o da solidão, cresce o ribeiro manso e corre em direção do mar, num caminho em que se doa para formar nuvens de chuva, no ciclo das águas, parecendo que o ribeiro caminha pelo ar, acompanhado de um grito: úyê, ê ôyê, ê ôyê, ê, ô, ô, ô.
A ressonância do grito ecoará distante pela noite que vier, virando a madrugada, esse grito será mesmo de sua amada?
Um pássaro levará o grito a lugares onde existem ninhos e liberdade de morar, estremecendo de admiração homens tristes que sentem vontade de libertar-se do sofrimento que cerceia a felicidade.
Este é o principal objetivo do ser humano na Terra: libertar-se do confinamento que o impede de viajar, ainda mesmo em peregrinação terrena, a lugares de inefável beleza.
No sonho, dentro do sono, isto é possível desde que não haja amarras. Essas amarras estão estabelecidas naquilo que ele pensa que é, numa educação dualista (conceito de bem/mal, certo/errado, e outras expressões similiares) que a ética transitória estabelece.
As crenças em doutrinas obsoletas criam uma franja de resistência que o aprisionam cada vez mais. Todas caírão, nesta separação do joio e do trigo, em suas contradições insustentáveis.
O modelo religioso, o modelo filosófico, o modelo jurídico, determinando que o ser humano é imperfeito, dificultam e impossibilitam o acesso ao samadhi, o mais elevado estágio de consciência humana.
A educação voltada ao plano mental chega-se ao fim, neste final de ciclo planetário, que foi muito útil, principalmente para a matéria, mas não o liberta.
Como é mais fácil acreditar em algo que já existe numa egrégora do que a sós, obedecendo a autoridades que estabelecem, através do medo, uma educação voltada ao controle de massas, fica dificil o ser humano libertar-se daquilo que dá peso e referência.
O pensamento é força criadora, pensa-se no mito da Caverna e o mito da Caverna surge atraído pelo nosso pensamento. É por isso que é válido assinalar o que foi dito na Palestina, há 2 mil anos: resplandeça a vossa luz.
Resplandecer a luz é conseguido através de 4 pilares: simplicidade, humildade, transparência e alegria.
Somente com o abandonar-se à luz é que podemos adquirir a nossa libertação. Não é questão de querer, pois o querer é do plano mental que promove o ego que é muito complicado e não admite a simplicidade.
Sem libertação não há liberdade.
O ser humano não é apenas corpo e alma, é essencialmente  o  ser  profundo  que  se  liga  à  fonte.

Blog  Fernando Pinheiro, escritor

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