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segunda-feira, 15 de outubro de 2012

CANÇÃO DE SOLVEIG

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        Derramando uma envolvente doçura, a voz de Solveig cantava uma canção que falava da espera do seu amado que tardava tanto a chegar. Grieg, o compositor norueguês, a   retratou em sua suíte Peer Gynt.

         O romance do casal, narrado em peça dramática pelo escritor Henrik Ibsen, começou em olhares que buscavam a mesma direção, numa festa de casamento em que se  apresentaram como convidados.

         Ela estava acompanhada de seus pais e trazia em suas mãos um livro de cânticos enrolado num lenço. Seus cabelos de cor-de-trigo, seus olhos de um azul turquesa brilhavam como  as lâmpadas da festa.

         Apenas um encontro de olhares, o suficiente para Solveig não perdê-lo de vista em seu coração, embora seus olhos iriam procurá-lo pelas distâncias. O amor tem esses enigmas, esses laços que prendem, não importando as circunstâncias.

         O tempo passa como passam as paixões que incendeiam os desejos inocentes para depois mergulharem no vazio. E, assim, vamos encontrar, na velhice, Peer Gynt voltando para a  cabana onde mora  Solveig.

         Vestida de roupa de domingo, carregando o mesmo livro de cânticos enrolado num lenço, como  naquele primeiro encontro, ela pressente a chegada dele e canta a canção que fala de um   amor  inesquecível.

         Ao ouvi-la, ele fica atônito, deslumbrado e, acostumado à vida peregrina, não sabe o que fazer. Põe-se a correr pelos campos como a procurar o que já havia encontrado.

      Num impulso que não entende, volta à porta da cabana completamente derrotado pelas ilusões que buscou pelo mundo afora e pede para ela se queixar em voz alta de todos os erros  dele.

       Solveig, esbelta e doce, continuou em sua voz enternecida: “bem-vindo, meu querido, que fez de toda a minha  vida um   cântico de amor! Que bom que você voltou!”

         Ainda sentindo as emoções em desalinho que o passado refletia naqueles momentos, Peer Gynt ficou desanimado e   falou  que  estava  perdido.

         A voz de Solveig procura desmanchar a atmosfera sombria em que se encontrava o seu amado, como sol que surge lentamente no horizonte diluindo as brumas do amanhecer.

         O amor tem esse dom: desfazer o avesso e repor o lado direito, lá onde os sonhos aparecem para revelar que a vida tem um sentido bem maior do que aquele em que a nossa   imaginação buscava encontrar.

         O aventureiro abatido pediu à sua amada para decifrar o enigma que o atormentava: “onde eu estive durante todo o  tempo em que você não me viu?”

         A resposta de quem ama é fácil demais: “você estava onde sempre esteve: em minha fé, na minha esperança, meu amor”,  respondeu ela, completamente enternecida.

         Peer Gynt sentiu-se como filho que volta ao lar, e um carinho todo especial, misturado à proteção que sua amada  estava  lhe  oferecendo, tocou-lhe  mais  fundo.

         Enquanto o sol se levantava, ela começou a cantar uma doce canção de ninar. Peer Gynt descansava sua cabeça atribulada pelas aventuras sem direção naquele recanto onde sentiu o seu coração bem perto de sua amada.

         A Canção de Solveig é o cântico feliz de quem ama e   confia no amor. E, por assumir uma posição superior aos declínios do caminho, a sua presença vem sempre   acompanhada de proteção. 

         Alma que redime alma. Não importa se a mulher revela o seu lado materno quando há necessidade para desfazer  traumas de caminhos de espinho.

         Quem não gostaria de recompor as vestes que estão pelo avesso, apenas numa atitude simples que revela o lado bonito onde podemos nos sentir felizes, caminhando, passeando e principalmente ao lado dos amores que nos encantam  a  vida!

         A Canção de Solveig é a canção que prepara o leito, as condições para dormir e, num clima refeito das energias gastas, o recomeço de um novo dia em que o amor surge como se fosse  o instante primeiro.

Blog Fernando Pinheiro, escritor

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