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sexta-feira, 19 de outubro de 2012

NOITES NOS JARDINS DE ESPANHA

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        A música, uma suíte de 3 impressões sinfônicas para piano e orquestra, se espalha suavemente carregada de beleza luxuriante dos grandes jardins cobertos de flores, poesia lírica e perfumada que se reflete nas noites de Andaluzia.

         O clima é completamente romântico, mas a expressão musical das Noites nos jardins de Espanha é a prova de que, sem possibilidades de discussão, o compositor espanhol Manuel de Falla é um representante autêntico do impressionismo.

      A primeira das três impressões sinfônicas derrama uma sonoridade orquestral sobre suaves acordes num tema simples que evoca a infância: as canções infantis, os olhares e sorrisos da primeira namorada, as aulas de alfabetização, o recreio na  escola, os sonhos saindo das fontes.

         A evocação da tenra idade é doce como o canto dos pássaros e nos faz recordar a ternura dos pais, a simplicidade, as alegrias inocentes que não se misturam às oscilações  passageiras.

         A inocência das crianças tem uma magia doce que nos faz lembrar do paraíso. Tudo é primaveril: há flores crescendo     até mesmo sobre os montes de pedra. Estas flores estão mais perto das fontes e recebem algumas gotas, o suficiente para mantê-las vivas.

         A segunda e a terceira das impressões sinfônicas espalham um clima de dança. A segunda, a princípio  lânguida e distante, cresce aos poucos até ligar-se completamente à outra que  possui  um  ritmo  excitante.

         E, ainda dentro do tema musical, o clima de danças reflete a alegria dos amores, o encontro que marca a presença da ternura, do beijo que deixa um gosto de algo mais que a  imaginação pode criar.

         A empolgação nos caminhos do amor reflete a felicidade dos sonhos despertados, o encanto dos ninhos que os pássaros cantam, e sentimos como é bom imitá-los em seus cantos. A natureza nos envolve porque é o amor em festa.

         Há um clima de mistério nas noites de Andaluzia. Quantos suspiros derramados nos romances de califas, sultãos,   príncipes e ciganos que atraíram mulheres de pele bronzeada  que  traziam  no  olhar  o  fascínio  e  a  sedução!

        Quando os sonhos estão em suas nascentes, é preciso mantermos uma atitude mental que possibilite a transmutação da forma, numa leveza que sentimos ao nosso alcance. Não pensar além do que existe, apenas sentir o clima em que  estamos  envolvidos.

         Muitos sonhos nascem no sono e independe de sabermos se sonhamos ou não. A realidade da vida ultrapassa todas as formas e vive nos conteúdos, conhecidos ou não.

         Viver o que sentimos vir desses mistérios é como mergulharmos no rio e deixar que a correnteza nos leve à praia que buscamos. A naturalidade, o fluir dos acontecimentos são   forças  revelando  o  destino.

      Quando mantemos uma atitude mais inteligente do que emocional, temos maior chance de sentir que os sonhos sejam verdades. A emoção alegra-nos como os sinos das catedrais, mas pode despertar nas pessoas estranhas a incompreensão ou em nós mesmos planos fora de nosso alcance.

         Viver a vida é, antes de tudo, deixar que a vida viva dentro de nós. Tudo segue um ritmo que estabelece as condições adequadas para cada ser humano. Casamento, separação conjugal, emprego, estudos, viagens, moradia são situações revelando nossos sonhos, inconscientes ou não.

         Quando sonhamos com a pessoa que foi tudo em nossa vida, e agora caminha em direção de novas paisagens, vem-nos,  com maior vigor, não apenas o sonho que acabamos de ter, o grande amor que nos enternecia nos primeiros encontros.

         A recordação desse passado ditoso, mesmo que tivesse sido mergulhado em ondas quebradiças, faz-nos mais leves e sentimos crescer o verdadeiro amor que desconhece a   saudade.

         Assim como nos separamos por acreditar ser o melhor naquelas circunstâncias, a certeza do reencontro feliz acontecerá, não importa o tempo, as distâncias que não  existem  quando  estamos  ligados  em  pensamento.

         Os sonhos vencem a morte, unindo dois amores nos lugares mais românticos que escolheram: as fontes, as praias desérticas, o luar esplêndido, os jardins adornados das mais belas flores, o lirismo revelando a força do romance e da poesia.

         Essas revelações são espaços abertos que se estendem diante de quem buscou o amor como forma de viver, independente da circunstância em que se encontra. Quem resolveu brigar com a vida, também terá outros sonhos que   indicam caminhos.

         As horas sonhadas são reflexos daquilo que somos a um nível mais profundo de consciência. As nossas necessidades existenciais têm nesse campo a circulação livre  e espontânea.

         Como é importante aceitar a realidade em outras dimensões, a vibração de amor que sentimos com as  pessoas ausentes fisicamente e manifestadas claramente nessas   circunstâncias.

         Os sonhos, os amores, os encontros são revelados pela vida para sentirmos o clima que desfaz a descrença e a timidez e resplandece como mensageiro de um  novo  dia.

         O compositor espanhol conseguiu retratar, num tema comovente, os sonhos no amanhecer e os sonhos nos  vesperais,  em  noites  que  trazem  o  perfume  de  Andaluzia.    

Blog  Fernando Pinheiro, escritor







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