A música, uma suíte de 3 impressões sinfônicas
para piano e orquestra, se espalha suavemente carregada de beleza luxuriante
dos grandes jardins cobertos de flores, poesia lírica e perfumada que se
reflete nas noites de Andaluzia.
O
clima é completamente romântico, mas a expressão musical das Noites nos jardins
de Espanha é a prova de que, sem possibilidades de discussão, o compositor
espanhol Manuel de Falla é um representante autêntico do impressionismo.
A
primeira das três impressões sinfônicas derrama uma sonoridade orquestral sobre
suaves acordes num tema simples que evoca a infância: as canções infantis, os
olhares e sorrisos da primeira namorada, as aulas de alfabetização, o recreio
na escola, os sonhos saindo das
fontes.
A
evocação da tenra idade é doce como o canto dos pássaros e nos faz recordar a
ternura dos pais, a simplicidade, as alegrias inocentes que não se misturam às
oscilações passageiras.
A
inocência das crianças tem uma magia doce que nos faz lembrar do paraíso. Tudo
é primaveril: há flores crescendo até mesmo sobre os montes de pedra. Estas
flores estão mais perto das fontes e recebem algumas gotas, o suficiente para
mantê-las vivas.
A
segunda e a terceira das impressões sinfônicas espalham um clima de dança. A
segunda, a princípio lânguida e
distante, cresce aos poucos até ligar-se completamente à outra que possui um ritmo excitante.
E,
ainda dentro do tema musical, o clima de danças reflete a alegria dos amores, o
encontro que marca a presença da ternura, do beijo que deixa um gosto de algo
mais que a imaginação pode criar.
A
empolgação nos caminhos do amor reflete a felicidade dos sonhos despertados, o
encanto dos ninhos que os pássaros cantam, e sentimos como é bom imitá-los em
seus cantos. A natureza nos envolve porque é o amor em festa.
Há
um clima de mistério nas noites de Andaluzia. Quantos suspiros derramados nos
romances de califas, sultãos,
príncipes e ciganos que atraíram mulheres de pele bronzeada que traziam no olhar o fascínio e
a sedução!
Quando
os sonhos estão em suas nascentes, é preciso mantermos uma atitude mental que
possibilite a transmutação da forma, numa leveza que sentimos ao nosso alcance.
Não pensar além do que existe, apenas sentir o clima em que estamos envolvidos.
Muitos
sonhos nascem no sono e independe de sabermos se sonhamos ou não. A realidade
da vida ultrapassa todas as formas e vive nos conteúdos, conhecidos ou não.
Viver
o que sentimos vir desses mistérios é como mergulharmos no rio e deixar que a
correnteza nos leve à praia que buscamos. A naturalidade, o fluir dos
acontecimentos são
forças revelando o
destino.
Quando
mantemos uma atitude mais inteligente do que emocional, temos maior chance de
sentir que os sonhos sejam verdades. A emoção alegra-nos como os sinos das
catedrais, mas pode despertar nas pessoas estranhas a incompreensão ou em nós
mesmos planos fora de nosso alcance.
Viver
a vida é, antes de tudo, deixar que a vida viva dentro de nós. Tudo segue um
ritmo que estabelece as condições adequadas para cada ser humano. Casamento,
separação conjugal, emprego, estudos, viagens, moradia são situações revelando
nossos sonhos, inconscientes ou não.
Quando
sonhamos com a pessoa que foi tudo em nossa vida, e agora caminha em direção de
novas paisagens, vem-nos, com
maior vigor, não apenas o sonho que acabamos de ter, o grande amor que nos
enternecia nos primeiros encontros.
A
recordação desse passado ditoso, mesmo que tivesse sido mergulhado em ondas
quebradiças, faz-nos mais leves e sentimos crescer o verdadeiro amor que
desconhece a saudade.
Assim
como nos separamos por acreditar ser o melhor naquelas circunstâncias, a
certeza do reencontro feliz acontecerá, não importa o tempo, as distâncias que
não existem quando estamos
ligados em pensamento.
Os
sonhos vencem a morte, unindo dois amores nos lugares mais românticos que
escolheram: as fontes, as praias desérticas, o luar esplêndido, os jardins
adornados das mais belas flores, o lirismo revelando a força do romance e da
poesia.
Essas
revelações são espaços abertos que se estendem diante de quem buscou o amor
como forma de viver, independente da circunstância em que se encontra. Quem
resolveu brigar com a vida, também terá outros sonhos que indicam caminhos.
As
horas sonhadas são reflexos daquilo que somos a um nível mais profundo de
consciência. As nossas necessidades existenciais têm nesse campo a circulação
livre e espontânea.
Como
é importante aceitar a realidade em outras dimensões, a vibração de amor que
sentimos com as pessoas ausentes fisicamente e
manifestadas claramente nessas
circunstâncias.
Os
sonhos, os amores, os encontros são revelados pela vida para sentirmos o clima
que desfaz a descrença e a timidez e resplandece como mensageiro de um novo dia.
O
compositor espanhol conseguiu retratar, num tema comovente, os sonhos no
amanhecer e os sonhos nos
vesperais, em noites que trazem o
perfume de Andaluzia.
Blog
Fernando Pinheiro, escritor
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