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quarta-feira, 17 de outubro de 2012

DANÇA DOS ESPÍRITOS ABENÇOADOS

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        Um dos mais belos solos escritos para flauta, Dança dos Espíritos Abençoados, da ópera Orfeu e Eurídice, de Gluck, é  uma  composição  lenta  e  muito  doce  que  se modula  em    menor,  sustentada  pelo  violino  pianíssimo.

         Os Campos Elíseos substitui o Inferno em que se encontrava Orfeu, a ausência da mulher amada, depois de um canto comovedor que abrandou as fúrias. A iluminação do cenário é completa e produz efeitos de luzes e cores.

         Nesse clima festivo e triunfante, o personagem mitológico e musical conseguiu o milagre da transmutação, o sonho em realidade tangível, a presença da sua amada que saiu do mundo das sombras, a vitória do amor acima das circunstâncias  transitórias.

         Quando os amores estão reunidos em êxtase, a melodia paradisíaca se desdobra suave, bem suave e um grupo de espíritos se rejubila caminhando em passos cadenciados que   se  transformam  em  dança.

         A composição musical de Gluck retrata a lenda mitológica de dois amores que se separam em mundos diferentes, mas permanecem ligados pela lembrança, pelos olhares que lhes revelaram a alma, pelo amor que ultrapassa  barreiras.

         Adormecida em sono letárgico, Eurídice não tinha condições de manter vivo um relacionamento de um passado feliz. Mas a ligação que a prendia estava tão perto dela  como os fios elétricos ligados a uma tomada.

         A mensagem do compositor alemão se amplia universalmente para mostrar que a criatura humana está cercada pelos amores e, nos passos em direção à plenitude, busca sempre aqueles que permanecem distraídos ou entorpecidos por substâncias estranha. Ninguém caminha sozinho.

         O canto de Orfeu, em sua lira imortal, é a exaltação da vida, é o canto da Terra, simplesmente porque é o amor atuante que vibra até às sombras para trazer de volta quem para ele era  Deus mais próximo.

         Mesmo cantando o amor, Orfeu estava impaciente antes da chegada de sua amada, como acontece a todos nós diante do desenrolar dos acontecimentos em que buscamos promover nossos sonhos. Nossos amores nos preocupam quando não sabemos a direção de seus passos.

         Cercado de vibrações tumultuadas, o personagem mitológico coloca toda sua alma naqueles momentos em que sente que deve continuar cantando. Nem mesmo se importaria se o seu canto iria ou não sensibilizar quem estava lhe ouvindo. Queria apenas cantar para extravasar sentimentos profundos.

         Isto vem nos provar que o amor não se projeta prevendo benefícios, mas se revela espontâneo como força que dá expansão ao fluxo que aglutina as situações do amanhã, num processo  contínuo  e  eterno.
         Na caminhada dos amores há incidentes que nos fazem refletir sobre a dança das horas, a dança dos ventos, a dança dos espíritos abençoados quando o nosso amor consegue despertar quem não estava entendendo o nosso coração.

         A questão familiar, a questão social, a questão planetária está baseada no conceito de que tudo se interliga e é impossível caminhar isoladamente ou mesmo em grupos sectários. Na caminhada para ser feliz, a humanidade busca a mesma   direção.

         O sentido gregário, no caminhar dos animais, já nos revela a ideia de que o homem, mais cedo ou mais tarde, acompanhará esse movimento da natureza, fazendo-o de modo consciente e com maior abrangência em todos os níveis: pessoais, familiares e sociais.

Blog  Fernando Pinheiro, escritor

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