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domingo, 30 de setembro de 2012

O RIO

    Amparada  no  movimento  lânguido,  compasso  2/4,  a  música O Rio, de Paulo Libânio, foi escrita em 20 de março de 1988, com a letra do poeta Vinícius de Moraes que revela, inicialmente, uma gota de chuva a mais penetrando um ventre grávido que fez estremecer a terra. O contexto geográfico é revelado por antigos sedimentos, rochas   ignoradas, pedra preciosa e materiais fósseis. A letra revela ainda:
“Um fio cristalino, distante milênios, partiu fragilmente sequioso  de  espaço  em  busca  da  luz.”
        A mensagem do poetinha, nome carinhoso como é  conhecido entre os cariocas que o admiram tanto por ter  colocado  os  versos  da   música   Garota  de  Ipanema,  de  Tom  Jobim,  nos  quatros   cantos  do  mundo,  traz  um  roteiro  de   uma   vida   no  campo  mineral,  mas  o  sentido  transcende  a  outros  reinos  da  natureza.
        Preliminarmente,  observamos  o  nascer  do  rio,  a  partir  de  uma  gota  de  chuva  que  cai  numa  porção  de  água  e  a  faz  transbordar  a  caminho  de  planícies  que  serão   transformadas   em   searas   férteis.
        No percurso em direção ao mar, o rio passa por antigos  sedimentos, rochas ignoradas que contém ouro, carvão, ferro,  mármore. O  reino  mineral  permanece petrificado  nas  rochas,  mas  se movimenta  nas  águas  que    possuem  um  destino.
       A evolução anímica nasce no reino mineral, mais  precisamente  na  água,  se  expande  no  reino  vegetal   e  ganha   impulsos   maiores   no   reino   animal,   sendo   que  no  homem  a  consciência  do  mundo  é  mais  evidente  do que   qualquer  outro  estágio  evolutivo.
       Assim como no subsolo da terra existem riquezas adormecidas: ouro, carvão, ferro, petróleo, mármore, água, etc., no ser humano há outros mananciais ou potencialidades que estão armazenadas em sua interioridade mais profunda,  em  forma  latente, e prontas para  serem  manifestadas.
        A  indústria  busca  a  matéria-prima  para  fabricar seus produtos, a sociedade também tem recursos de criar ambientes humanos onde as qualidades de vida, talentos pessoais podem ser manifestados livremente. Daí surgem escolas, hospitais,  empresas,  indústrias,  comércio,  turismo,  lazer.
       O progresso material já alcançou estágios evolutivos onde promovem o bem-estar humano, entregando à máquina o que antes era feito com as mãos. Na área da comunicação,   as  informações  são  prestadas  e  recebidas  em  profusão  em  todas  as  atividades  humanas.
       No caminhar do homem, assim como o do rio, surgem  obstáculos  que  são  vistos  e  até  mesmo  apreciados  como sinal que aumenta a nossa atenção ao trabalho empreendido.  O  passo  firme  é  o  ritmo  que  anuncia  a  passagem  daquilo  que  está  parado,  sem  possibilidade  de  nos  acompanhar.
      A letra da música finaliza dentro de um contexto histórico, numa trajetória milenar: “um fio cristalino distante  milênios partiu fragilmente sequioso de espaço em busca da  luz.”
     Quando vemos, pela televisão, a destruição de matas, consequentemente de inúmeras plantas medicinais ainda não catalogadas, bem como aves e animais que nelas vivem,  pensamos que a  natureza gastou milênios para formar esse santuário ecológico, com ecossistemas favoráveis à fauna e  à  flora.
       O rio que nasce de fio cristalino, distante milênios, por   ser  a  própria  água,  o  primeiro  elemento  criado  na  terra,  parte  em  busca  de  espaço  até  atingir  o  mar.  Nos  versos  de Vinícius de Moraes, o fio cristalino, que vira rio, parte em  busca  da  luz.
       No ciclo da evaporação e do derrame de águas, em forma  de  chuva,  podemos  presenciar  a  água  em  forma  de  luz no fenômeno do arco-íris, onde as cores, que nele estão, refletem  imagens  ideoplásticas  de  beleza  encantadora.
      Assim como acontece no fio cristalino partindo,  fragilmente  sequioso,  em  busca  da  luz,  no  ser  humano a  mesma  trajetória  é  percorrida,  a  nível  de  interioridade  de  alma,  a  nível  de  coração  como  dizem  os  poetas. O arco-íris é a aura de esplendor das águas, assim como a irradiação luminosa pertence àqueles que semearam a beleza.

Blog  Fernando Pinheiro, escritor

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