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sábado, 27 de fevereiro de 2016

VIDA QUE PASSA...

Homenagear Caio de Mello Franco é uma honra muito  grande para nós porque buscamos trazer de volta a voz de um grande homem que honrou e deu nome maior a  diplomacia brasileira e, sobretudo, faz-nos lembrar um lídimo mensageiro da poesia revestida de beleza, na forma e no  conteúdo, consagrada no amor que sentiu pelas musas  inspiradoras nos mais belos jardins de Paris e nas fontes de  Roma, as mesmas fontes imortalizadas na música de  Respighi.
Aliás, de início, vamos dizer abertamente que esse amor, que ele sentia, estava imantado em tudo e em todos que os cercava e naqueles em que o seu pensamento abraçava, de longe, alargando os horizontes.
Ei-lo, estendendo as luzes de seu espírito imortal, em Elegias Romanas, inseridas na obra “Vida que passa...” (poemas), num roteiro simples e seguro sobre o intercâmbio das esferas onde transitam, em movimento incessante, as musas inspiradoras, apreciadas por outras áreas do conhecimento humano, com o nome de anjos-da-guarda, numes tutelares, espíritos protetores ou deuses-lares, na famosa conceituação do escritor Fustel de Coulanges, mencionada na obra “La Cité Antique”.
Na terceira estrofe do poema A Musa Inspiradora, inserido no canto Elegias Romanas, Caio de Melo Franco, poeticamente, descreve esse roteiro de amor sublime entre as esferas material e espiritual.
Toda a sonoridade das palavras do poema em que ele vagueia pelo umbroso jardim dos Medicis, sentindo descer dos ramos a paz das paisagens serenas, é música. Dentro da estrutura musical o cânone: o movimento inicial reaparece no final. Beleza inefável sustentada por uma leveza sonora e de harmonia em todo o poema, aliás, em tudo o que escreve o poeta em Vida que passa... (poemas), p. 126. Typographia do Annuário do Brasil – Rio de Janeiro – 1924.
Em sintonia de vibrações, revelando o mesmo teor de qualidade, sombra e homem, no dizer do poeta, caminham juntos usufruindo dos deleites que somente o amor pode doar: “não preciso falar: sei que adivinhas tudo...”
A quietude, no íntimo dos personagens reais, vibra suavemente na mesma harmonia contida na paisagem: “o jardim adormece... E a água canta na fonte.” O diálogo de vozes íntimas estabelece um clima de conforto e leveza.
Na contemplação meditativa no jardim dos Medicis, Caio de Mello Franco sente “no perfume disperso, que o silêncio inebria”, algo que lhe faz pensar nos sofrimentos humanos.  Mas logo percebe a vibração que o envolve na mesma sintonia revelada no amor que nele vive, a esparzir um clima reconfortador, uma luz a beijar-lhe as Elegias. 
Como a terapia de vidas passadas, atualmente é a busca de todas as buscas, o crème de la crème das investigações do autoconhecimento, utilizada por seletos grupos que se dedicam, gratuitamente, ao labor da caridade, trazemos a  prova incontestável da revelação do poeta sobre o passado   espiritual.
Ele mesmo, no poema A Cidade, declara que veio de longe, atravessou os mares, volta a antigos lares, tudo lhe é familiar naqueles lugares, menciona o frontão de parras à votiva coluna, reconhece tranquilo a Sacra Via, a Basílica, o Fórum augusto, “o templo onde, por bem de Vesta, o fogo ardia...”   
Inspirado em La Vita Nuova, de Dante, Caio de Mello Franco escreveu versos sobre o que estava escrito em Incipit Vita Nuova, mergulhados no enigma do passado espiritual. No poema A Hora Antiga, o poeta revela o encontro  dos amores, num clima de ternura e de sonhos.
Nesse encontro, Caio de Mello Franco ressalta todo o enlevo dos amores que se doam, na permuta de energias, fazendo vir à tona todo um mecanismo que antes era mistério ou sonho não revelado, a partir do beijo embriagador. O poema finaliza exibindo cenas pitorescas dos heróis da mitologia grega.
Ainda dentro do clima das Elegias Romanas, Caio de Mello Franco, iluminado sob a luz de uma estrela etrusca, escuta a flauta de um pastor trigueiro. Melodia que traz a idéia de beijos loucos voando, como abelhas, num zumbir de delírios: “mas meu Pastor prossegue pastoreando os meus olhos, os astros e as ovelhas”.
O poeta, avisando-nos sobre o juramento da mulher conquistada ou conquistadora, ouve e não se ilude com o canto das sereias que parecem ter voz nos momentos mais íntimos.
A poesia de Caio de Mello Franco, toda ela é feita de ouro dos trigais, com fermento de filosofia grega, às vezes ambientada em jardins e bosques encantadores onde vivem silfos, ninfas, náiades e outros entes mitológicos que se confundem com os  seres da natureza. Na visão esotérica são seres da natureza. 
Caio de Mello Franco escreveu também epigramas votivos, de  beleza comovente. Destacamos o que tem por título  Impaciência, escrito numa época em que estava em voga as  mulheres dos quadros de Renoir, célebre pintor francês. O tipo de beleza, que então se propalava, mudou. Hoje, a moda é de modelos de corpo magro e esguio. Antes do advento de 2016, o poeta, nos idos de 1924, se antecipou 92 anos: “Que importa seres tu tão magra?”  
No poema Laís contém epigramas votivos de beleza espiritual revelando que a mirra também perfuma e amarga. Os últimos versos do epigrama Laís, do poeta Caio de Mello Franco, trazem mensagem acolhedora em que se destaca a imagem da luz beijando os pássaros e os pântanos, num clima em que a luz não se contamina.
Encerrando nossos singelos comentários acerca da obra Vida que passa ... de Caio de Mello Franco, destacamos  os  versos destinados a São Francisco de Assis, o gênio do amor na natureza, tendo por companhia o irmão Sol e soror Lua.  
Nos idos de 1998, o diplomata Afonso Arinos de Melo Franco, Filho fez referências sobre o tio Caio de Mello Franco, ao proferir a palestra Afonso Arinos e a Política Externa, ao ensejo da realização 2° Seminário Banco do Brasil e a Integração Social, organizado pela Academia de Letras dos Funcionários do Banco do Brasil, presidida pelo escritor Fernando Pinheiro:
“Em dezembro de 1952, eu já era diplomata de carreira, e, a convite do ministro de Estado, acompanhei-o a Lima, onde João Neves da Fontoura iria inaugurar a Avenida Afrânio de Melo Franco, em memória do estadista brasileiro que evitara a guerra entre o Peru e a Colômbia, ao solucionar a difícil questão fronteiriça de Letícia. Caio, primogênito de Afrânio, era embaixador, e Afonso foi também convidado a integrar a comitiva  ministerial.”
Na Câmara dos Deputados, sessão de 19/9/1955, o deputado Odilon Braga, em discurso homenageando o embaixador Caio de Mello Franco, disse que o conheceu no mesmo ano em que ele publicou Vida que passa... e deu a opinião: “primorosos poemas reveladores das suas qualidades raras, o seu merecimento de homem sensível, dado ao ritmo, à harmonia e à beleza.” 
Vale salientar a bibliografia de Caio de Mello Franco em obra poética: Urna (1917), Vida que Passa... (1924), Cheiro de Terra (1949). Em prosa: Os Trinta e Quatro contos de meu espírito, sob o pseudônimo de Gildo Brasil (1929), O Parnaso Obsequioso, O Inconfidente Cláudio Manuel da Costa (1931), Via Latina (1933), Vida e sonho de Pedro Taques (romance), A fuga dos Deuses (romance).
Ao finalizar a nossa singela homenagem ao Senhor Embaixador e poeta que se notabilizou mais como diplomata, ressaltamos que a poesia de Caio de Mello Franco, apreciada em apenas algumas páginas de comovente beleza de sua intensa e profunda obra, continua sendo a poesia que honra   a literatura brasileira.

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