Páginas

terça-feira, 7 de agosto de 2012

FARÂNDOLA DAS HORAS

           Nos movimentos allegro non troppo, um poco rallentando,  molto vivo, molto lento e pianíssimo, a música Farândola das Horas, de Francisco Mignone, traz os versos de Goulart de Andrade (1881/1936),  poeta,  romancista,  teatrólogo  e  membro  da Academia Brasileira de Letras. No início da letra da     música  surge  a  dança  das  horas:

“Sobre nuvem de ouro, com festões de ouro, passa aéreo       bando girando, claras como auroras dançam no ar as horas   como  gentis  meneios  de  seios.”

        Evocando Gonçalves Dias (in Obras Poéticas I, p. 224 – “Tenho também uma lira / De festões engrinaldada!), vê–se que        a imortalidade aí está no símbolo da lira e dos festões. Os campeões  olímpicos  também  possuem  os  louros  em  coroa.   

        Relembrando um pouco os feitos do grande maestro e  compositor paulista, ressaltamos que, em 1976, a ópera           O Chalaça, de Francisco Mignone, foi estreada no Theatro  Municipal de São Paulo, tendo no papel-título o barítono     Paulo Fortes. O libreto é de autoria de Mello Nóbrega, patrono da Cadeira n° 35, da Academia de Letras dos Funcionários       do Banco do Brasil, atualmente ocupada por Ivo Barroso, o príncipe dos poetas-tradutores brasileiros.

        A dança das horas que inspirou ao compositor     Ponchielli a música de balé e ao poeta Guilherme de Almeida,   o poema–título do livro, é, também para nós, um ponto   reflexivo sobre a vida. Para conferir esse argumento, basta  mencionar  a  presença  do  relógio  na  vida  humana.

        Desde que foi inventado, foi colocado nos lugares   públicos para lembrar a população que existe um horário          a  ser  obedecido:  hora  de  acordar,  hora  das  refeições,  hora  de trabalho, hora de passeio, hora de viagem, hora de dormir,  etc., obedecendo à sabedoria do rei Salomão: “na vida, há   tempo  para  tudo.”

        A imagem usada por Goulart de  Andrade é repleta de   riqueza não apenas pelo ouro que as nuvens transportam,     em auroras rutilantes, mas por imagens de elevado valor       que traz uma leveza sublime, certo encantamento que vem     das horas passando lentamente e das mulheres que passam nas ruas vestindo roupas em que sobressaem os meneios         de  seios.

       As horas, que dançam, são comparadas a mulheres em  movimento, onde surgem, além dos meneios de seios, o  encanto e a sedução que a cintura revela: “os braços nevados   como  eletrizados,  e  as  ancas  redondas  como  ondas”.

        Quando a minha namorada, por telefone, me dizia: “ái, ái, Fernando, eu estou com a dor nas ancas”, eu já sabia o que ela sentia, era a saudade inebriante dos enlevos que ainda não tivemos. Em Petrópolis, teremos a nossa honeymoon. É nessa lua que o nosso saudável celibato será desfeito.

       A letra da canção evoca ainda um cenário, onde se desenrola, num clima de alvura, no símbolo do arminho,       um  desfile  de  horas / mulheres  em  várias  situações  de:

        agitação:  no  semblante  esvoaçante;

confiança:       no  rosto  sorridente;

rapidez:   aquela  que    voltas,  viaja,  passeia; 

evidência:   é  a  daquela  que  tem  glória; 

riqueza:   aquela que se veste de ametista, joia que se  debruça  sobre  corpos  lindos  de  mulher;

saudade:  aquela  que  tem  pensamentos  leves,  como  a  brisa,  que  chega  a  uma  transcendência,  o  gozo  de  infinito  bem  que  apenas  soa  e  voa.

          um  constante  desfile  de  horas / mulheres. Todas  passam,  muitas  fazendo  alaridos,  entre  risos  e  guizos,  para  mostrar que estão vivas como faz a cigarra morrendo e  cantando.  Aquela  que  encontrou  a  felicidade  não  volta  pela   onda revolta. No espaço nuvens vão se diluindo (problemas   que  passam)  e  surge  a  estrela  vespertina,  revelando-nos  o   paraíso  que  criamos.


Blog  Fernando Pinheiro, escritor
Site   www.fernandopinheirobb.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário