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segunda-feira, 27 de agosto de 2012

IMAGENS DO DESERTO


Flores atiradas ao deserto por caravanas que passam apressadas. Suas cargas estão pesadas de coisas supérfluas. São necessárias ao consumo transitório, mas não têm proveito no destino da viagem.
O tempo vai fenecendo as flores desprendidas de suas raízes. Chegará um momento em que essas flores virarão adubos fertilizando as searas, mesmo que se encontrem em terrenos desérticos.
No campo humano, há aridez dos sentimentos quando desprezam anjos solitários em tenra idade, a vagar pelas ruas, vendendo limões, balas de açúcar, limpando pára-brisas de outras caravanas, nos sinais de trânsito, ou ingressando, por vítimas do erro adulto, no mundo do crime.
Segundo informação divulgada numa entrevista levada ao ar, em 14 de setembro de 2002, pela Rádio Catedral FM, são mortos, anualmente, 3.000 menores no tráfico de drogas na cidade do Rio de Janeiro.
Não obstante as vicissitudes da vida, o olhar da criança é sempre doce, sem medo das circunstâncias. A feiúra vem da comparação tendenciosa do adulto que a aprecia do seu ponto-de-vista.
Além das aparências, as necessidades existenciais ressurgem com força dominadora. O destino das flores tem percursos imprevistos pelo homem. Ele se livra delas, pensando em seu trajeto pessoal, sem saber das consequências.
O homem, desconhecendo a realidade imortal que o envolve, ainda se debate nos grilhões da morte, onde coloca tristeza e desolação.
Mas é preciso que ele se inspire em Francisco de Assis (1182/1226), o mais santo dos italianos e o mais italiano dos santos, que poeticamente nos falou do irmão-sol, da irmã-lua e da proteção dos animais, sem perder a referência principal do homem no contexto do universo.
Ao ensejo da abertura do 5° Seminário Banco do Brasil e a Integração Social, proferimos discurso em homenagem a Caio de Mello Franco, na presença do escritor Afonso Arinos de Mello Franco Filho, citando a poesia:
“És  o  gênio  do  Amor,  na  natureza!
Teu  irmão  Sol  te  aquece  e  te  ilumina ...
Se  é  noite,  Soror  Lua,  cristalina,
Desfaz-se em ouro, toda em ouro acesa ...”  (12)

(12) CAIO DE MELLO FRANCO (in Vida que passa... (poemas) - p. 197 - Typographia do Annuário do Brasil - Rio de Janeiro – 1924.
Nós sabemos que as necessidades das criaturas são imensas. Há andorinhas piedosas em louvor do Criador nos claustros dos conventos, pardais solitários que buscam galhos secos para construir novos ninhos, abelhas se ligando ao trabalho de classe, borboletas voejam em saltos que sobressaem a cor, o brilho, a destreza dos movimentos.
Se a fauna é rica em suas espécies, a flora tem flores e arbustos em tapetes mágicos que encantam todos os olhares.
Se uma flor cai, sozinha, mostrando o tecido de veludo que a compõe, não podemos ver a beleza morrendo. A beleza é eterna, tem uma transparência que fica registrada no campo astral, assim como o exemplo daqueles que vieram ao mundo para servir.
A tristeza do homem em ver as flores perdendo o viço e a graça é em decorrência de sua visão voltada ao curto espaço-limite onde está circunscrito.
Quando ele não destruir a fauna e a flora e ver nos anjos solitários das ruas de cidades companheiros em difícil teste, compreenderá que a vida está em tudo.
Testes difíceis todos passam, até mesmo aqueles que contribuíram na evolução planetária sentiram a aridez do deserto - Spinoza, indigente, Galileu, escarnecido, Beethoven, surdo, Braille, tuberculoso, Pavlov, cego, Gabriela Mistral, cancerosa, e os mártires que marcaram a História.
A revelação dos profetas e poetas que viam a vida resplandecer, em estados mais sutis, é decantada em linguagem comovente por aqueles que saíram vitoriosos de suas provas de libertação íntima.

Blog  Fernando Pinheiro, escritor

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