Os Cânticos Serranos n° 2, de Guerra Peixe, foram escritos em 24 de março
de 1976, e iniciam-se no movimento andante
forte e terminam
poco affretando
e ritardando.
A letra da
música traz os
versos do poeta Raul de
Leoni (1895/1926) que revela um encontro casual
mergulhado na inocência,
transformando a intimidade
em saudações de
simples cortesia. Ao
finalizar a poesia,
ele descreve:
Nunca mais nos falamos... vai distante...
Mas, quando a vejo, há sempre um vago instante
Em que seu mudo olhar no meu repousa.”
“E eu sinto, sem no entanto compreendê-la
Que ela tenta dizer-me qualquer cousa,
Mas que é tarde demais para dizê-la...”
Na sabedoria do silêncio, Jesus calou-se diante de Pilatos e Raul de Leoni, o poeta da emoção filosófica, faz calar fundo quem busca a verdade:
“Não sofras mais à espera das auroras
Da suprema verdade a aparecer:
A verdade das cousas é o prazer
Que elas nos possam dar à flor das horas...
Essa outra que desejas, se ela existe,
Deve ser mais fria e quase triste,
Sem a graça encantada da incerteza...
Vê que a Vida, afinal – sombras, vaidades –
É bela, é louca e bela, e que a beleza
É a mais generosa das verdades...” (5)
(5) RAUL DE LEONI (in Luz Mediterrânea, p. 106)
Ambos, o
compositor e o autor da letra da música Cânticos Serranos, são naturais da
cidade de Petrópolis, conhecida como a cidade imperial, que está erguida dentro
da Serra dos Órgãos.
A
Pousada Chalé da Montanha, de propriedade de Jean Vieira, é confortadora e nos
leva a certo encantamento que a paisagem serrana nos desperta.
Encanto
de inefável beleza é poder ouvir, à noite, sempre quando ocorre, os ventos
correr em sons graves e agudos por todas as montanhas da Serra a nos fazer lembrar
os órgãos (instrumentos musicais). À primeira impressão, quando ouvimos,
pareciam ser os ventos que anunciam as chuvas. Mas, na verdade, são os cantos da
Serra que a natureza nos oferece.
Mesmo
dentro do teor filosófico, há, a nosso ver, uma pequenina opacidade na poesia
de Raul de Leoni marcada apenas por uma palavra: incerteza que, se fosse
substituída por inocência, perderia a
rima com a palavra beleza, mas ganharia um sentido mais transparente,
característica marcante do grande
poeta petropolitano.
Os
Cânticos Serranos têm uma letra que retrata uma situação muito comum no
relacionamento de pessoas, principalmente àquelas que têm um convívio no
trabalho ou nos
ambientes sociais onde
buscam a recreação
e o lazer.
Cumprimentar as
pessoas é um
gesto de cortesia
e envolve sentimentos que podem
despertar algo mais que uma palavra
de saudação ou
de elogio.
No
passado não muito distante, o poeta tinha um clima
favorável para declamar
palavras de amor
a gentis donzelas ou às senhoras casadas,
estimulando-as a prática das virtudes
cristãs ou à apreciação da beleza inefável da
natureza. A mulher é sempre a musa que inspira os mais belos
sonhos de amor.
A
comunicação no passado era mais retraída e estava subordinada a condicionamentos sociais que
impediam uma aproximação mais à vontade onde os desejos pudessem ser manifestados. Hoje, com maior
rapidez, o telefone e a internet propiciam oportunidades de
aproximação muito maior do que
naqueles tempos de outrora, onde o amor
era uma manifestação
acanhada e inocente.
E assim
o tempo corre... ou, melhor dizendo, aproveitando as palavras do poeta “E a vida foi andando
para frente...” Sem a comunicação
desejada, há algo novo para ser
completado. Um olhar que ficou pairando no ar e guardado no coração, uma palavra que veio numa
linguagem que precisa, como capítulo de
novela, de uma continuação e de um final
feliz.
Blog Fernando Pinheiro, escritor
Nenhum comentário:
Postar um comentário