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terça-feira, 31 de julho de 2012

CANÇÃO DA FUGA IMPOSSÍVEL

O início da Canção da fuga impossível, do maestro e compositor Cláudio Santoro, escrita no compasso 2/4, clave de sol, é apresentado no movimento lento.
A letra da canção é de Ary de Andrade que revela um barqueiro lançando–se ao mar, em direção da praia lunar, buscando esquecer os ecos do mundo, e levando consigo um resto de sonho e conclui pensativo: “Como é que sonhei a fuga  da vida se a alma na terra deixei repartida?”
Acompanhando o mesmo sentido da letra da música, opinamos que aceitar a vida tem ligação profunda com os sonhos que nascem nas fontes límpidas. Não procurar nem fugir daquilo que já nos pertence, como as circunstâncias, as pessoas, as tarefas que estão em nosso convívio.
Muitos buscam tenazmente realizações no campo dos sentimentos, desejam conhecer pessoas que lhes preenchem as horas vazias e, uma vez conseguidas, separam-se num clima de indiferença, sem perceber os liames que permanecem fragmentados no espaço-tempo.
No giro das órbitas, esses liames afetivos circulam ao redor de quem os fez surgir, independente de rejeição que recebem ao se aproximar. A lacuna está sempre inclinada à força que lhe dê transmutação.
As oportunidades que promovem o encontro e a possibilidade de estarem ligados, permanentemente, surgem a cada instante. Os olhares, os sorrisos e o suspiro numa saudade alteram-se constantemente.
A vida surge como as notas do piano, lançadas no ar, os prelúdios, as sonatas, as sinfonias, os concertos. Os sons elaboram imagens que criam situações intimamente ligadas ao nosso mundo íntimo.
Assim são as pessoas, umas são prelúdios de um romance que floresce apenas uma vez como a flor dos aloés, outras são concertos de variações bastante diversificadas, outras ainda são sinfonias que incorporam um conteúdo musical bem mais amplo.
Se a vida nos dá lua e estrelas, ventos e maresias, chuvas e trovoadas, neblina e cerração, pôr de sol romântico e luar derretido em prata, por que ainda teríamos de buscar novas paisagens?
Quando assumimos uma posição de súplica em que o desejo vibra como o metal no fogo, estamos criando situações do destino que virá na intensidade em que foi suplicado, embora haja forças circunstanciais anulando a nossa participação como a semente lançada em solo estéril.
As circunstâncias desfavoráveis são avisos importantes que repercutem como os sinos das catedrais, despertando-nos  a fé, qualquer que seja a nossa ideologia. As dificuldades ajudam-nos a refletir nos sonhos que trazemos do berço.
Como é do conhecimento de muitos, o pensamento é força que irradia nossos sentimentos. Buscar aproximação de pessoas e situação que desconhecemos é o mesmo que embarcarmos em canoa descendo regiões montanhosas.
Do mesmo modo, fugir de tudo aquilo que nos chega, sem termos a capacidade de identificar o que nos convém, seria tão desastroso como descer as cachoeiras dos grandes rios.
Os desencantos das noites escuras são refletidos nas paisagens íntimas daqueles que buscaram os sonhos que não lhes pertencem e fugiram dos encontros de pessoas que o destino lhe reservou nos luares em eclipse.
Desligado da consciência grupal, do âmbito onde circula, o homem cria o deserto íntimo onde só existirá oásis se as condições em que estiver mergulhado forem abrandadas pelos seus gestos de recomposição.
Esses gestos são originários da luz que se irradia, a radiança imortal de sua realidade que foi obtida do não agir, mas ao abandonar-se à luz que trabalhou nele a ação que o    faz crescer em patamar de grandeza.
 
Blog  Fernando Pinheiro, escritor
Site   www.fernandopinheirobb.com.br

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