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domingo, 22 de julho de 2012

TOADA BARÉ

Os primeiros versos da Toada Baré, letra e música do pianista e compositor amazonense Arnaldo Rebello (1905/1984) têm uma revelação comovedora que confirma a lenda indígena sobre o pássaro do mais belo canto da Amazônia que, ao se expressar, constrói o seu ninho:
“Uirapuru está cantando na fronde do mututi.
Ói, mia mana, que alegria! É um novo amor que vem pra ti.”
Quando o uirapuru canta, toda a floresta silencia. O seu canto voa longe, muito longe e tudo fica mergulhado no êxtase.
O canto desse pássaro é uma pequena melodia e nos revela firmeza e elegância. A presença de sentimentos cândidos resplandece na beleza clássica de comovente sonoridade. Não possui o lirismo das canções napolitanas, mas tem o vigor dos sons das trombetas anunciando o rei.
Na floresta amazônica há luta pela sobrevivência, animais maiores devorando animais menores e os insetos se alimentando do sangue animal, do néctar das flores e dos frutos em botão. Há um equilíbrio na distribuição de alimentos nesse reino.
Os animais caminham pela floresta, alguns rastejam lentamente acariciando terras virgens e mergulham em igarapés para fazerem companhias às vitórias-régias - bandejas de um banquete aquático. Todos vivem na gangorra - matar ou morrer.
O canto do uirapuru é um canto de exaltação à vida. Nesses instantes de comovente beleza, a gangorra para ou diminui de ritmo, como nas orquestras sinfônicas, quando entra o solista para dar destaque na execução da música.
Esse pássaro da Amazônia desperta, no meio de todos os seres vivos da floresta, a sensibilidade para a arte musical e a empolgação dos jogos sedutores nos animais em acasalamento.
Os músicos, os compositores, os regentes são como esse pássaro de canto maravilhoso, e dedicam suas vidas para embelezar o planeta, numa expressão maior da arte que resplandece o amor.
Precisamos da música como alimento de nossa alma que se empolga e vibra para demonstrar que a vida íntima é um estuar de energias, como os ventos, o luar de prata, as praias ensolaradas, as montanhas de cachoeiras cantantes.
A música dos grandes compositores clássicos é ricamente trabalhada, como os diamantes, e nos anima a caminhar firmes, com entusiasmo ou simplesmente conserva a nossa calma quando vemos os ventos fortes derrubando casas na areia.
A música popular igualmente tem o seu valor. Mas possui letras e movimentos comprometidos com momentos de desencantos: paixões amorosas mal vividas, lamento e ausência de amores que seguiram novos caminhos. Há uma preocupação mórbida de cantar aquilo que está parado ou desfeito pelo tempo.
A música sertaneja, uma das vertentes da popular, traz a simplicidade do campo, dos valores não contaminados pelo homem, mas sofre a influência das oscilações sentimentais em que a maioria das pessoas passa. Sobressai em duplas de cantores que fazem grandes sucessos, muitos deles anunciados pela televisão, levando alegria ao grande público.
A pequena melodia que o uirapuru canta maravilhosamente traz um sentido solidário entre as criaturas da floresta, assim como os homens buscam nas casas de espetáculo ouvir mensagens musicais que lhes despertam o convívio salutar entre seus semelhantes.
  Blog  Fernando Pinheiro, escritor
Site   www.fernandopinheirobb.com.br
 

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