TOADA BARÉ
Os primeiros versos da Toada Baré, letra e música do pianista e compositor
amazonense Arnaldo Rebello (1905/1984) têm uma revelação comovedora que confirma a lenda indígena sobre o
pássaro do mais belo canto da Amazônia que, ao se expressar, constrói o seu
ninho:
“Uirapuru está cantando na fronde
do mututi.
Ói, mia mana, que alegria! É um
novo amor que vem pra ti.”
Quando o uirapuru canta, toda a
floresta silencia. O seu canto voa longe, muito longe e tudo fica mergulhado no
êxtase.
O canto desse pássaro é uma pequena melodia e nos
revela firmeza e elegância. A presença de sentimentos cândidos resplandece na
beleza clássica de comovente sonoridade. Não possui o lirismo das canções
napolitanas, mas tem o vigor dos sons das trombetas anunciando o rei.
Na floresta amazônica há luta
pela sobrevivência, animais maiores devorando animais menores e os insetos se
alimentando do sangue animal, do néctar das flores e dos frutos em botão. Há um equilíbrio
na distribuição de alimentos nesse reino.
Os animais caminham pela
floresta, alguns rastejam lentamente acariciando terras virgens e mergulham em
igarapés para fazerem companhias às vitórias-régias - bandejas de um banquete
aquático. Todos vivem na gangorra - matar ou morrer.
O canto do uirapuru é um canto de
exaltação à vida. Nesses instantes de comovente beleza, a gangorra para ou
diminui de ritmo, como nas orquestras sinfônicas, quando entra o solista para
dar destaque na execução da música.
Esse pássaro da Amazônia
desperta, no meio de todos os seres vivos da floresta, a sensibilidade para a
arte musical e a empolgação dos jogos sedutores nos animais em acasalamento.
Os músicos, os compositores, os
regentes são como esse pássaro de canto maravilhoso, e dedicam suas vidas para
embelezar o planeta, numa expressão maior da arte que resplandece o amor.
Precisamos da música como
alimento de nossa alma que se empolga e vibra para demonstrar que a vida íntima
é um estuar de energias, como os ventos, o luar de prata, as praias ensolaradas,
as montanhas de cachoeiras cantantes.
A música dos grandes compositores
clássicos é ricamente trabalhada, como os diamantes, e nos anima a caminhar
firmes, com entusiasmo ou simplesmente conserva a nossa calma quando vemos os
ventos fortes derrubando casas na areia.
A música popular igualmente tem o
seu valor. Mas possui letras e movimentos comprometidos com momentos de
desencantos: paixões amorosas mal vividas, lamento e ausência de amores que
seguiram novos caminhos. Há uma preocupação mórbida de cantar aquilo que está
parado ou desfeito pelo tempo.
A música sertaneja, uma das
vertentes da popular, traz a simplicidade do campo, dos valores não
contaminados pelo homem, mas sofre a influência das oscilações sentimentais em
que a maioria das pessoas passa. Sobressai em duplas de cantores que fazem
grandes sucessos, muitos deles anunciados pela televisão, levando alegria ao
grande público.
A pequena melodia que o uirapuru
canta maravilhosamente traz um sentido solidário entre as criaturas da
floresta, assim como os homens buscam nas casas de espetáculo ouvir mensagens
musicais que lhes despertam o convívio salutar entre seus semelhantes.
Blog Fernando Pinheiro, escritor
Nenhum comentário:
Postar um comentário