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quarta-feira, 18 de julho de 2012

A JANGADA

A música A Jangada, do compositor cearense Alberto Nepomuceno, escrita para canto e piano, inicia-se no movimento moderado. Segundo o que podemos perceber, numa linguagem poética, é uma suave melodia que sugere a ideia de ventos soprando em tempo bom, céu aberto, com nuvens esparsas, temperatura agradável, ventos moderados, num colorido suave e ameno que se desdobra como a brisa do mar.
A opinião do escritor Mário de Andrade a respeito de Alberto Nepomuceno é digna de merecido aplauso: “Dentre os compositores de sua geração, é ele o mais intimamente nacional de todos.”
Nos idos de 1894, regeu a Filarmônica de Berlim, apresentando duas obras suas (Scherzo für grosses orchester e Suite Antiga) e em 1910 esteve em Bruxelas, Genebra e Paris, realizando concertos de música de compositores brasileiros.
O canto de A Jangada tem os versos do poeta Juvenal Galeno, interpretado no mesmo ritmo da música de Alberto Nepomuceno; letra e música que se interligam na mesma beleza, revelando os movimentos do mar: jangada, ventos e o navegar.
Sobre o poeta cearense, Juvenal Galeno, o escritor Francisco Silva Nobre (1923/2007), na época em que era presidente da Federação das Academias de Letras do Brasil, comentou: “... Por isso mesmo, pôs em “A Jangada” toda a sua alma, eternizando-a com palavras simples, que todos adoram e ninguém esquece.”
A jangada está no ar, é notícia; a jangada está no mar, é o prazer do jangadeiro. O poeta e o compositor, ambos da terra dos verdes mares, unidos na poesia e na melodia, doce cantilena, transmitem a sensação de leveza da brisa no mar que se espalha na praia.
Numa linguagem simbólica, a jangada é a amiga, companheira, virgem e amante, o jangadeiro é o amigo, amante e companheiro. O cenário é o mar, a música e a poesia se falam, se tocam, se entendem e se amam de verdade.
No romance dos amores, ondas vêm, ondas vão, ondas balançam a jangada e o jangadeiro, buscando melhor posição para se orientar, lhe faz perguntas sobre a vida que ela está levando ou que ela quer levar:
“Minha jangada de vela,
que vento queres levar?
Tu queres vento de terra,
ou tu queres vento do mar?”
Na segunda e na terceira estrofes, o jangadeiro penetra na intimidade das águas, nas circunstâncias que circundam a jangada e a vê sobre as ondas, sobre as oscilações que a deixam pensativa, duvidosa a bordejar.
Ele sonda a oscilação em que ela vagueia pensando no passado, nas areias da praia que a fazem encalhar, e no presente no meio do oceano, na oportunidade do amor presente que lhe dá direção no leme.
O jangadeiro gosta de vê-la adejar, como a garça, ou como a donzela, lépida e fagueira, resvalando no prado, a meditar. Dois atos muito importantes no romance de casais: o voo nos carinhos encantadores e a meditação para reter a sensação do voo que permanece no coração, no íntimo.
Se a oportunidade é a brisa que nos acaricia, o jangadeiro aprecia enternecido o vento favorável. O amor do jangadeiro pela jangada, a sua amiga, a sua virgem, a sua amante, a sua esposa, não teme as circunstâncias em que no mar surgem abismos. É virgem e amante porque a virgindade traz uma sensação do algo novo dentro de um amor exclusivo.
A vela irrequieta da jangada é sacudida e agasalhada em doces afagos, há carinhos desse amor que se revelam no coração satisfeito pelos frutos, pelos peixes recolhidos. Há um clima de contentamento, de felicidade pairando no ar, verdes ondas fagueiras embalando a jangada no mar.

Blog  Fernando Pinheiro, escritor
Site   www.fernandopinheirobb.com.br

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