A JANGADA
A música A Jangada, do compositor cearense Alberto Nepomuceno, escrita
para canto e piano, inicia-se no movimento moderado. Segundo o que podemos
perceber, numa linguagem poética, é uma suave melodia que sugere a ideia de
ventos soprando em tempo bom, céu aberto, com nuvens esparsas, temperatura
agradável, ventos moderados, num colorido suave e ameno que se desdobra como a
brisa do mar.
A opinião do escritor Mário de
Andrade a respeito de Alberto Nepomuceno é digna de merecido aplauso: “Dentre
os compositores de sua geração, é ele o mais intimamente nacional de todos.”
Nos idos de 1894, regeu a Filarmônica
de Berlim, apresentando duas obras suas (Scherzo für grosses orchester e Suite
Antiga) e em 1910 esteve em Bruxelas, Genebra e Paris, realizando concertos de
música de compositores brasileiros.
O canto de A Jangada tem os
versos do poeta Juvenal Galeno, interpretado no mesmo ritmo da música de
Alberto Nepomuceno; letra e música que se interligam na mesma beleza, revelando
os movimentos do mar: jangada, ventos e o navegar.
Sobre o poeta cearense, Juvenal
Galeno, o escritor Francisco Silva Nobre (1923/2007), na época em que era
presidente da Federação das Academias de Letras do Brasil, comentou: “... Por
isso mesmo, pôs em “A Jangada” toda a sua alma, eternizando-a com palavras
simples, que todos adoram e ninguém esquece.”
A jangada está no ar, é notícia;
a jangada está no mar, é o prazer do jangadeiro. O poeta e o compositor, ambos
da terra dos verdes mares, unidos na poesia e na melodia, doce cantilena,
transmitem a sensação de leveza da brisa no mar que se espalha na praia.
Numa linguagem simbólica, a
jangada é a amiga, companheira, virgem e amante, o jangadeiro é o amigo, amante
e companheiro. O cenário é o mar, a música e a poesia se falam, se tocam, se
entendem e se amam de verdade.
No romance dos amores, ondas vêm,
ondas vão, ondas balançam a jangada e o jangadeiro, buscando melhor posição
para se orientar, lhe faz perguntas sobre a vida que ela está levando ou que
ela quer levar:
“Minha jangada de vela,
que vento queres levar?
Tu queres vento de terra,
ou tu queres vento do mar?”
Na segunda e na terceira
estrofes, o jangadeiro penetra na intimidade das águas, nas circunstâncias que
circundam a jangada e a vê sobre as ondas, sobre as oscilações que a deixam
pensativa, duvidosa a bordejar.
Ele sonda a oscilação em que ela
vagueia pensando no passado, nas areias da praia que a fazem encalhar, e no
presente no meio do oceano, na oportunidade do amor presente que lhe dá direção
no leme.
O jangadeiro gosta de vê-la
adejar, como a garça, ou como a donzela, lépida e fagueira, resvalando no
prado, a meditar. Dois atos muito importantes no romance de casais: o voo nos
carinhos encantadores e a meditação para reter a sensação do voo que permanece
no coração, no íntimo.
Se a oportunidade é a brisa que
nos acaricia, o jangadeiro aprecia enternecido o vento favorável. O amor do
jangadeiro pela jangada, a sua amiga, a sua virgem, a sua amante, a sua esposa,
não teme as circunstâncias em que no mar surgem abismos. É virgem e amante
porque a virgindade traz uma sensação do algo novo dentro de um amor exclusivo.
A vela irrequieta da jangada é
sacudida e agasalhada em doces afagos, há carinhos desse amor que se revelam no
coração satisfeito pelos frutos, pelos peixes recolhidos. Há um clima de
contentamento, de felicidade pairando no ar, verdes ondas fagueiras embalando a
jangada no mar.
Blog Fernando Pinheiro, escritor
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