Páginas

sexta-feira, 6 de julho de 2012

O CANTO DA TERRA

Sabemos que muitos observadores da música chegaram à conclusão de que Gustav Mahler, em O Canto da Terra, estabelece a relação entre o caos e a ordem, o silêncio e o grito, a morte e a vida, como nos vulcões que adormecem e acordam.
Decifrando o mistério, nos versos de Dante, em que o Logos desabrocha em cada rosa, o artista das mil sinfonias (a de n° 8, conhecida também como Sinfonia dos Mil porque evoca o hino medieval Veni Creator Spiritus, de Hrabanus Maurus, escrito há mais de 1.000 anos), compreendeu que o homem é um anjo adormecido.
Ainda não ligado inteiramente à fonte, o homem tem necessidade de buscar, em evasivas diversas, o preenchimento de algo que ele mesmo nem sabe o que é. O ser etéreo, que ele é, não é percebido porque a sua mente está ligada aos interesses fugazes da matéria.
Nessa carência de equilíbrio, vagueia em lugares infestados de vibrações de pessoas que também ainda não se encontraram.
Busca sempre lá fora a resposta que está dentro de si. Por desconhecer a proteção divina, imantada em tudo, se agarra, na maioria das vezes, a pessoas que não têm condições de levar uma palavra de esclarecimento.
O desejo é saciado sempre na hora certa. Como o homem que vagueia sem rumo não sabe as implicações daquilo que buscou, há uma satisfação oportuna para que prove, às vezes com doses amargas, o sabor daquilo que tanto quis.
De experiência em experiência, consome o tempo, acumulando informações dos desencantos por que passa, sem ainda tomar uma decisão afirmativa do seu viver. Amante louco das ilusões, embriaga-se por bebidas ou emoções em desalinho, não querendo aceitar o resultado positivo daquilo que ficou.
Mas chegará um dia em que - num leve toque de uma experiência que já teve, o recrudescimento das ressonâncias - dá um salto, um salto quântico, e deixa para trás todas as ilusões que lhe tornaram infeliz. Numa visão poética, este é o salto para o paraíso.
Toda a preocupação do seu viver fica mergulhada na imensidão das forças cósmicas que impulsionam os mundos nos seus ninhos em movimentos. Mesmo trazendo as marcas das decepções e amarguras, sente sede de amar, doar-se, expandir a sensação de paz àqueles que estão caminhando um pouco atrás.
Quando a sua vontade vem revestida de sabedoria, ou melhor dizendo, quando deixa de ter a vontade, abandonando-se à luz, porque a luz é sabedoria, a primeira reação que tem é de ser um ser eterno e não simplesmente o corpo de formas materiais, sujeito à decomposição, algum dia no futuro, que a cada dia se desgasta.
Pela primeira vez sente o que é ser feliz, não sofre mais e nem se angustia. A sensação de leveza é constante como um pássaro que voa. Tudo é primaveril, tudo são flores, o aroma é suave e alentador. Quanta renovação benéfica vai surgindo como o vento do amanhecer! Essa sensação de perenidade fica retida num só instante, o instante completo, eis a plenitude.
A vida passa a ser sonho e realidade ao mesmo tempo. Com a beleza que sente, no íntimo, vê resplandecê-la em tudo que existe. Todos os seres são os seus amores. Rosas são corações que amam deixando o perfume.
Sonhando tocar, uma a uma, as estrelas do zodíaco cantante do criador das mil sinfonias, assim se expressou o poeta Luis Gastón Soublette:
    “Yo quiero buscarte entre los pliegues
    más secretos de tu religión sonora,
    alli donde no llegara ningún diapasón viviente
    sino tan sólo el chino pobre e sonriente
    el taoísta inmortal com su flauta de jade
    y su canción de la tierra”.     
(2)
(2) LUIS GASTÓN SOUBLETT (in Revista Musical Chilena - julho/agosto – 1990  –  Acervo: Biblioteca Nacional)


 

Blog Fernando Pinheiro, escritor    
      Site 
www.fernandopinheirobb.com.br

Nenhum comentário:

Postar um comentário