PÉROLA
O movimento tempo di minuetto dá início à música Pérola, de Carlos de
Campos (1866/1927), escrita para canto e piano. No período de 1924 a 1927, o compositor
foi governador do Estado de São Paulo.
Carlos de Campos é também autor
das óperas A bela adormecida e Um caso singular, estreadas em abril de 1924 e
agosto de 1926, respectivamente, no Theatro Municipal de São Paulo e encenadas
nas temporadas de 8 a
16 de novembro de 1924 e 30 de julho e 5 de agosto de 1926 no Theatro Municipal
do Rio de Janeiro.
A letra da música é do livro
Cantos de Luz, de Luís Guimarães Filho (1878/1940), diplomata, poeta, ensaísta,
filho de Luís Guimarães Júnior (1845/1898), imortal da Academia Brasileira de
Letras, autor do célebre verso: “depois de um longo e tenebroso inverno”.
A letra da canção remete-nos à
reflexão da vida, principalmente na oportunidade de vivenciar aquilo em que
todos nós estamos envolvidos. Não é apenas exclusiva à pérola, figura de mulher
representada diante do mundo, mas sim à criatura humana, de modo geral.
O título da canção Pérola tem
maior significação, se compararmos ao ser mais profundo que habita em cada um
de nós. A pérola, a que estamos nos referindo, merece maior atenção e cuidados
especiais do que ao próprio corpo físico. É questão de transcendência.
O nosso ser mais profundo -
sinônimo de alma, espírito, essência divina, corpo somático, energia do mundo
(denominações consoante a linha do pensamento ético ou religioso) - está
encarcerado dentro do corpo físico.
O poeta Luís Guimarães Filho, em sua ideia luminosa e
cristalina, começa revelando-nos o mundo que as ilusões despertam. Quantas
oportunidades de viver a felicidade são perdidas:
“Lúcida pérola
encarcerada
Na rósea concha de um débil ser.
Teu berço dança como a jangada
que nos recifes se vai perder...”
Em busca da liberdade, em melhores
ares, faz eclodir de dentro de si mesmo os talentos das artes e dos sonhos,
negociando favores transitórios que o tempo desgasta.
Brilhos de festa, risos e contentamento se misturam
para celebrar a vitória. A taça é cheia, em borbulhões, e se derrama.
Aos poucos, estará vazia,
refletindo a vacuidade no ser mais profundo. Na alquimia dos opostos, a lágrima
revela o excesso. Adeus às ilusões!
Corre o tempo. O cansaço chega.
Desilusões acumuladas são expurgadas como lixos mentais que precisam de
reciclagem em outros espaços que não nos pertencem.
Abençoado o esquecimento que não
promove mais os desencantos. Virão, sim, a verdadeira alegria, os verdadeiros
amores, os sonhos das fontes límpidas.
Nessa nova condição de vida, que
estabelece em definitivo a felicidade que buscamos, sentimo-nos vontade de ter
a simplicidade das crianças e dos amores primeiros, saudades de sermos nós
mesmos, puros e belos, como disse, em analogia, o poeta da canção:
“Mas, ai! de súbito eis que te
cansas,
Perdes o
brilho do teu
olhar...
Da antiga
concha talvez lembranças!
Talvez saudades
do velho mar!"
Blog Fernando Pinheiro, escritor
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