SHEHERAZADE
O intermezzo no
terceiro movimento, escrito para violino solo, é o momento musical em que Sheherazade,
que empresta o nome à suíte sinfônica, opus 35, de Rimsky-Korsakov, surge
diante do sultão para lhe revelar os contos das noites árabes.
Nas lendas do Oriente, ouvimos
falar de um rei que, se sentindo humilhado pela traição de sua esposa,
requisitava diariamente em seus aposentos uma nova virgem e, após os jogos da
lua e dos ventos, mandava matá-la.
Preocupados com a escassez de
candidatas e a fim de evitar novos derramamentos de sangue, seus ministros
indicaram a bela Sheherazade que lhe contava estórias que se prolongavam pelas
mil e uma noites.
Como é importante a mulher na vivência de um casamento
que se estende no futuro interminável. A lua-de-mel constante. Os planos e
ideais do casal sempre colocados à luz do dia, à luz lilás ou rosa da alcova
nupcial.
Assim como gostamos de ouvir
prelúdios e sinfonias, suítes e noturnos, sonatas e adágios de concerto, árias
de ópera e réquiens de missa, numa reciclagem interminável, a sonoridade da voz
da mulher amada nos enlaça em febricitante alegria. Nesse enlevo, quanto mais a
ouvimos, mais a desejamos.
Esse contentamento é doado aos
filhos, familiares e amigos que vibram aplaudindo ostensivamente ou em silêncio. Esta
atmosfera amena se espalha até mesmo pelos lugares por onde transitamos. Quando
o casal está feliz, os filhos recebem a influência desta felicidade e passam
aos seus amigos, desfazendo a seriedade dos tristes e dos zangados.
Esse clima suave e alentador
propicia o encontro do casal e dos filhos na sala-de-estar e nos outros
recintos onde a vida a dois é intensamente vivida, compartilhada e distribuída
a toda família. Tudo está interligado: as estrelas nas constelações, os planetas
nos sistemas solares, os rios nos oceanos, a família na sociedade, as
sociedades na Pátria e as pátrias na humanidade.
Na Grécia olímpica esse
encadeamento de beleza imperecível era conhecido pelo nome de Cosmos que quer
dizer ordem, numa lição insuperável que devemos dar à nossa própria vida.
Antes que possamos sentir a harmonia das esferas, é
necessário que a nossa vida seja ordenada no ritmo que flui normalmente,
acompanhando o pulsar da natureza.
Diferente, nesse caminhar, seria
o mesmo que acontece com a célula do câncer que resolveu trabalhar sozinha,
mesmo dentro do organismo, mas longe das funções que a vitalizam, sim a
vitalizam, pois elas se reproduzem e aceleram o processo de morte do indivíduo.
Parece inacreditável: o homem
cercado pela abundância e sentir-se carente, dentro da lagoa grande e sentir
sede, dentro de forças revitalizantes da natureza e sentir-se fraco.
A primeira mensageira dessas
forças - a mulher - lhe envolve em carinhos que lhe dão um sentido mais amplo
em seu viver. Quando veio ao mundo, foi o olhar materno que o acolheu e o
acompanhará eternamente e, na juventude, recebe outros olhares femininos que
lhe despertam os segredos do coração.
A nossa herança límbica dos
mamíferos, a mãe alimentando e cuidando dos filhos, foi enfatizada no Senado
Federal pelo escritor Leonardo Boff, ao ensejo da realização, em 7 de maio de
2012, do Colóquio Internacional sobre a Carta da Terra que apresentou
importantes subsídios para a Conferência das Nações Unidas sobre o Desenvolvimento
Sustentável - Rio + 20.
Sheherazade
é aquela mulher que todos os homens gostariam de ter e sempre a encontram em
suas esposas quando estão dispostos a ouvir suas narrativas que se prolongam em
mil e uma noites.
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