Amparada  no  movimento  lânguido,  compasso  2/4,  a  música O Rio, de Paulo Libânio, foi escrita em 20 de março de 1988, com a
letra do poeta Vinícius de Moraes que revela, inicialmente, uma gota
de chuva a mais penetrando um ventre grávido que fez estremecer a terra. O contexto geográfico é
revelado por antigos sedimentos, rochas   ignoradas, pedra preciosa e materiais fósseis. A letra
revela ainda:
“Um fio
cristalino, distante milênios, partiu fragilmente sequioso 
de  espaço  em  busca  da  luz.”
        A mensagem do poetinha,
nome carinhoso como é  conhecido
entre os cariocas que o admiram tanto por ter  colocado  os  versos  da  
música   Garota  de  Ipanema, 
de  Tom  Jobim,  nos  quatros   cantos  do  mundo,  traz  um  roteiro  de   uma  
vida   no  campo  mineral, 
mas  o  sentido  transcende 
a  outros  reinos  da  natureza.
        Preliminarmente,  observamos  o  nascer  do  rio,  a  partir  de  uma  gota  de  chuva  que  cai  numa  porção  de  água  e  a 
faz  transbordar  a 
caminho  de  planícies  que  serão   transformadas   em   searas  
férteis.
        No percurso em direção
ao mar, o rio passa por antigos 
sedimentos, rochas ignoradas que contém ouro, carvão, ferro,  mármore. O  reino 
mineral  permanece
petrificado  nas  rochas,  mas  se
movimenta  nas  águas  que  já  possuem  um  destino.
        A evolução anímica nasce no reino mineral, mais  precisamente  na  água,  se  expande  no  reino  vegetal  
e  ganha   impulsos   maiores   no  
reino   animal,   sendo   que 
no  homem  a 
consciência  do  mundo  é  mais  evidente  do que  
qualquer  outro  estágio  evolutivo.
       Assim como no subsolo da terra
existem riquezas adormecidas: ouro, carvão, ferro, petróleo, mármore,
água, etc., no ser humano há
outros mananciais ou potencialidades que estão armazenadas em sua interioridade
mais profunda,  em  forma  latente, e prontas para  serem 
manifestadas.
        A  indústria  busca  a  matéria-prima  para  fabricar
seus produtos, a sociedade também tem recursos de criar ambientes humanos onde
as qualidades de vida, talentos pessoais podem ser manifestados livremente. Daí surgem
escolas, hospitais,  empresas,  indústrias,  comércio,  turismo,  lazer.
        O progresso material já alcançou estágios evolutivos onde promovem o bem-estar
humano, entregando à máquina o que antes era feito com as mãos. Na área da comunicação,   as  informações 
são  prestadas  e 
recebidas  em  profusão  em  todas  as  atividades  humanas.
       No caminhar do homem, assim
como o do rio, surgem 
obstáculos  que  são  vistos  e  até  mesmo 
apreciados  como sinal que
aumenta a nossa atenção ao trabalho empreendido.  O  passo  firme  é  o  ritmo  que  anuncia  a 
passagem  daquilo  que  está 
parado,  sem  possibilidade  de  nos  acompanhar.
      A letra da música finaliza dentro de
um contexto histórico, numa trajetória milenar: “um fio cristalino distante  milênios partiu fragilmente sequioso de
espaço em busca da  luz.”
     Quando vemos, pela televisão, a destruição
de matas, consequentemente de inúmeras plantas medicinais ainda não catalogadas,
bem como aves e animais que nelas vivem, 
pensamos que a  natureza
gastou milênios para formar esse santuário ecológico, com ecossistemas
favoráveis à fauna e  à  flora.
        O rio que nasce de fio cristalino, distante milênios, por   ser  a  própria  água,  o  primeiro  elemento  criado  na  terra,  parte  em  busca  de  espaço  até  atingir  o  mar.  Nos  versos  de Vinícius de Moraes, o fio
cristalino, que vira rio, parte em  busca  da  luz.
        No ciclo da evaporação e do derrame de águas, em forma  de  chuva, 
podemos  presenciar  a 
água  em  forma  de  luz no
fenômeno do arco-íris, onde as cores, que nele estão, refletem  imagens  ideoplásticas 
de  beleza  encantadora.
       Assim
como acontece no fio cristalino partindo,  fragilmente 
sequioso,  em  busca  da  luz,  no  ser  humano a  mesma  trajetória  é  percorrida,  a  nível  de  interioridade 
de  alma,  a 
nível  de  coração  como  dizem  os  poetas. O arco-íris é a aura de esplendor das águas, assim como a
irradiação luminosa pertence àqueles que semearam a beleza.
Blog 
Fernando Pinheiro, escritor
