Escrito para o
Canto Coral Feminino do Instituto de Música de São Paulo, a música A Flor do
Aguapé, de Paulo Florence (1864/1945), é destinada
para sopranos e contraltos e apresenta os seguintes movimentos: suave,
vocalizando, mais vivo, diminuindo, vocalizando, poco crescendo, diminuendo. A letra foi composta por Dom Aquino
Corrêa, imortal da Academia Brasileira de Letras.
Com letra de quem conheceu as paisagens
íntimas da alma humana e,
externamente, a do pantanal mato-grossense, região onde foi bispo da Igreja Católica, com grande elevação espiritual,
a música descreve um roteiro em
que o mundo está envolvido.
O sacerdote observa
a beleza da flor de aguapé se abrindo em largas e verdes folhagens
com a presença de
beija-flor voejando e beijando-a ao redor. Há um clima de festa, a flor triste um pouco antes, com o beijo palpita e sorri.
Com a enchente, o
cenário singelo muda de figura.
Os roncos da enchente
já anunciam a
derrocada que vem surgindo.
Surgem pedaços de terras
flutuando descendo rio abaixo, num deles está
descendo a flor de aguapé, murcha de mágoas.
Esta imagem descritiva tem
grande ressonância em nossos
dias quando vemos cenas de desencantos nos ambientes onde o vício arrasta à degradação moral contingentes de pessoas que, após a
aparente alegria, são levados
à solidão e
à morte.
A beleza do corpo -
a flor do aguapé - floresce em nossa vida para dar encanto a este mundo que um dia terá as blandícias do
paraíso, esta é
a certeza daqueles que vieram ao mundo
somente para servir. Nem todas as flores são arrebatadas pelas
enchentes dos rios, como nem todas as
criaturas humanas têm o
mesmo destino.
Os desencantos surgem para
mostrar o desvio do
caminho. A mágoa - raiz arrancada pelos
estos bravios - é o desconforto do momento e
vai recrudescer, lá adiante aonde
a aurora vem surgindo
límpida e clara, a lembrança dos
dias felizes, os amores que nos ofereceram ternura, abraços
e beijos.
Na segunda voz de A Flor de Aguapé há um canto transformado
em beijos que Alberto Nepomuceno, na música As Uyáras, op. 15, decifra:
“... Às vezes se escuta na queixa do rio um canto macio de quem... não se vê. / O
canto se estende mais doce que as moitas que dormem
silentes às luzes do céu...”
Identificado o brilho das bolhas de sabão,
ninguém o pega, ninguém o cultiva, ninguém o
colherá! São beijos que
as uyáras atiram ao sol, morrendo sempre na ilusão! A luz do
arrebol é a imagem de fé que prevalece diante das paisagens
onde vive a
flor do aguapé. Os destroços, o
caminhar para a morte estão agora à mercê do destino que não podemos saber.
Boiando pelo rio abaixo, os
camalotes que carregam a flor de aguapé têm o
destino da destruição, o mesmo daqueles que
encobriram com camadas sombrias a luz divina que está ofuscada
interiormente. As sábias palavras do saudoso bispo católico (duas vezes imortal)
permanecem em nosso coração:
“Que Deus se
amerceie da flor e das almas que vão para além e leve-as ao porto em que viçam as palmas do amor e do bem.”
Blog
Fernando Pinheiro, escritor
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