Destinada para
canto e piano, a música Murmúrio, de Osvaldo Lacerda (1927/2011), composta em 1965, traz os versos da poetisa Cecília Meireles, sendo que
nas duas primeiras estrofes a música é expressa no movimento lento, suavíssimo
e, na última é poco animando. A letra
da canção possui três pedidos.
Pedir
é sempre uma forma de buscar algo que nos falta, a começar por pedir a proteção
divina imantada em tudo. A vida sempre nos dá aquilo de que necessitamos, mesmo
que seja em forma diferente do que pensamos. A sabedoria está em compreendê-la.
Esse
cuidado teve a poetisa em situar seu pedido entre algo mais denso e profundo e
a condição que surge quando há
acontecimentos que nos interligam. Quem não se beneficia da sombra
quando está passando embaixo de árvore situada em frente da casa alheia? Ou, na escuridão, da luz quando
alguém acende uma vela?
Na
segunda estrofe, a letra da música menciona a alvura que vem dos luares e que a noite
sustenta no coração da pessoa
amada. Um pouco apenas é o pedido para ficar perto... um instante apenas, o suficiente para
sentir a alvura dos luares. Não há
expectativa de um sonho de uma vida no mesmo destino.
A
mensagem da poesia, que a música encerra, é revelar sentimentos que há muito tempo foram esquecidos e que ainda podem
ressurgir, bastando apenas um
impulso, um respirar do aroma que sentimos no
passado. Quem não gostaria de
aspirar o perfume da flor que há muito tempo não a vê?
A
poetisa sente o amor, em sua plena forma, estende um olhar em direção da pessoa
amada e a revela, em silêncio, o que é
amar. O que já sente, não precisa mais sentir: alegria, ilusão, esperança, sonho.
Quantos
amores que nos deixaram uma réstia de luar, um pouco de calor do pôr-do-sol que
se despede numa paisagem
paradisíaca, estão agora caminhando em outro destino e tão perto de nós pelo sentimento em
comum que temos? O perto e o longe
é questão de sentir. O perto pode estar longe e o longe pode estar perto.
No
clima do enlevo dos amores, sentir o que já se sentiu e não sente mais, e buscar sentir outra vez,
é colocar o coração à flor da
pele, sujeita à queimadura de sol, se houver mudança das condições anteriores, ou à placidez do
luar se o enlevo do que foi antes
persistir.
No
dilema de amar o que se perdeu e amar o que precisa apenas de um aroma para ser lembrado, recordando Carlos
Drummond de Andrade (“amar o perdido, deixa confuso este coração”), pensamos na
espontaneidade que vem da ternura
dos amores que não precisam buscar nem fugir.
A
letra da canção é um ponto de ligação do aroma perdido, saudade da flor e de um pouco de
lembrança que é pedida para
ser mais lembrada. Tudo é questão de sentimentos, de coração, de alma, como se
expressaram Cecília Meireles e
Osvaldo Lacerda.
Blog
Fernando Pinheiro, escritor
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