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terça-feira, 25 de setembro de 2012

MURMÚRIO


Destinada para canto e piano, a música Murmúrio, de  Osvaldo Lacerda (1927/2011), composta em 1965, traz os    versos da poetisa Cecília Meireles, sendo que nas duas primeiras estrofes a música é expressa no movimento lento, suavíssimo e, na última é poco animando. A letra da canção possui três pedidos.
Pedir é sempre uma forma de buscar algo que nos falta, a começar por pedir a proteção divina imantada em tudo. A vida sempre nos dá aquilo de que necessitamos, mesmo que seja em forma diferente do que pensamos. A sabedoria está em compreendê-la.
Esse cuidado teve a poetisa em situar seu pedido entre algo mais denso e profundo e a condição que surge quando há  acontecimentos que nos interligam. Quem não se beneficia da sombra quando está passando embaixo de árvore situada em  frente da casa alheia? Ou, na escuridão, da luz quando alguém  acende uma vela?
Na segunda estrofe, a letra da música menciona a alvura que   vem dos luares e que a noite sustenta no coração da pessoa  amada. Um pouco apenas é o pedido para ficar perto... um  instante apenas, o suficiente para sentir a alvura dos luares.  Não há expectativa de um sonho de uma vida no mesmo  destino.
A mensagem da poesia, que a música encerra, é revelar  sentimentos que há muito tempo foram esquecidos e que   ainda  podem  ressurgir,  bastando  apenas  um  impulso,  um  respirar do aroma que sentimos no passado. Quem não  gostaria de aspirar o perfume da flor que há muito tempo não   a  vê?
A poetisa sente o amor, em sua plena forma, estende um olhar em direção da pessoa amada e a revela, em silêncio, o que é  amar. O que já sente, não precisa mais sentir: alegria, ilusão,  esperança,  sonho.
Quantos amores que nos deixaram uma réstia de luar, um pouco de calor do pôr-do-sol que se despede numa paisagem  paradisíaca, estão agora caminhando em outro destino e tão   perto de nós pelo sentimento em comum que temos? O perto e  o longe é questão de sentir. O perto pode estar longe e o longe  pode estar  perto.
No clima do enlevo dos amores, sentir o que já se sentiu e não  sente mais, e buscar sentir outra vez, é colocar o coração à flor  da pele, sujeita à queimadura de sol, se houver mudança das  condições anteriores, ou à placidez do luar se o enlevo do que  foi antes persistir.
No dilema de amar o que se perdeu e amar o que precisa  apenas de um aroma para ser lembrado, recordando Carlos Drummond de Andrade (“amar o perdido, deixa confuso este coração”), pensamos na espontaneidade que vem da ternura  dos amores que não precisam buscar nem  fugir.
A letra da canção é um ponto de ligação do aroma perdido,  saudade da flor e de um pouco de lembrança que é pedida   para ser mais lembrada. Tudo é questão de sentimentos, de coração, de alma, como se expressaram Cecília Meireles e  Osvaldo Lacerda.

Blog  Fernando Pinheiro, escritor

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