Escrita em junho
de 1970, na capital paulista, a música Quando ouvires o pássaro, do compositor Osvaldo Lacerda, é destinada para canto e piano, e traz a
letra do poeta Cassiano Ricardo (1895/1974), imortal da
Academia Brasileira de Letras.
A letra da música é
um bilhete à
mulher amada. Ele está ausente e nessa ausência vê
situações amorosas em que faz, em breve litania, uma negação. A primeira
negativa do enredo quase anuncia o título da música.
A
litania prossegue revelando outro intérprete do canto de amor ao ouvido da
mulher amada: o vento da cerração, e na última negativa de revelações, o poeta
coloca em questão um mensageiro de carta anônima.
A
afirmativa chega ao final do poema. Ele não sente a clareza dos sentimentos
dela, intimamente está no escuro, e chora. As lágrimas - gotas d'alma - caem em ambiente triste. O cenário,
que desdobra o estado emocional do poeta, é o chão, escuro, triste, sob a goteira caindo sem parar.
O
clima realmente não é favorável para encontros, pois ele sente a dureza do
coração dela. No entanto, parece ter persistência no amor que sente,
transformado em lágrimas, caindo em gotas incessantes. Mesmo assim, parece
evocar a esperança que vem do
adágio popular: “água mole em pedra dura, tanto bate até que fura”.
A
insistência no amor é muito diferente de outras tentativas, porque é regulada por ações que
dependem da forma de sentir a necessidade de prosseguir ou parar. Naturalmente,
se houver esperança perceptível,
vale a pena aguardar o tempo que for
necessário. Se não houver esperança delineada em horizonte ainda não iluminado, então o negócio é
arriscar: jogar tudo ao destino ou
esquecer por completo.
Mesmo
nesse jogo arriscado, ninguém pode prever as mudanças que podem ocorrer, facilitando aquilo que parecia
impossível. O tempo desgasta tudo, até mesmo situações
estáveis de hoje e, mais tarde, consideradas instáveis amanhã,
dependendo das circunstâncias favoráveis e da força de quem as impulsiona.
O
canto da música é revelado por letra que revela outros cantos na voz do pássaro em frente ao quarto da mulher amada,
do vento frio que anuncia cerração
e, ainda, do canto silencioso de
uma carta anônima.
A
presença do poeta, chorando sem parar pelo amor da mulher amada, é uma goteira caindo sobre um
chão escuro. O poeta ama e crê em si mesmo, em seu coração extravasando
sentimentos que podem encher rios de lágrimas.
Como
todo grande rio, haverá sempre um
mar que o acolherá, como também um
amor que o fará esquecer os desencantos. O que prevalece é o canto pela mulher
amada.
Blog
Fernando Pinheiro, escritor
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