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quinta-feira, 27 de setembro de 2012

QUANDO OUVIRES O PÁSSARO


Escrita em junho de 1970, na capital paulista, a música Quando ouvires o pássaro, do compositor Osvaldo Lacerda, é  destinada para canto e piano, e traz a letra do poeta Cassiano Ricardo (1895/1974), imortal da Academia Brasileira de Letras.
A  letra  da  música  é  um  bilhete  à  mulher  amada.  Ele está ausente e nessa ausência vê situações amorosas em que faz, em breve litania, uma negação. A primeira negativa do enredo  quase  anuncia  o  título  da  música.
A litania prossegue revelando outro intérprete do canto de amor ao ouvido da mulher amada: o vento da cerração, e na última negativa de revelações, o poeta coloca em questão um  mensageiro  de  carta  anônima.
A afirmativa chega ao final do poema. Ele não sente a clareza dos sentimentos dela, intimamente está no escuro, e chora. As lágrimas - gotas d'alma  - caem em ambiente triste. O cenário, que desdobra o estado emocional do poeta, é o chão, escuro,  triste, sob a goteira caindo sem parar.
O clima realmente não é favorável para encontros, pois ele sente a dureza do coração dela. No entanto, parece ter persistência no amor que sente, transformado em lágrimas, caindo em gotas incessantes. Mesmo assim, parece evocar a esperança que vem  do adágio popular: “água mole em pedra dura, tanto bate até  que fura”.
A insistência no amor é muito diferente de outras tentativas,  porque é regulada por ações que dependem da forma de sentir a necessidade de prosseguir ou parar. Naturalmente, se houver  esperança perceptível, vale a pena aguardar o tempo que for  necessário. Se não houver esperança delineada em horizonte  ainda não iluminado, então o negócio é arriscar: jogar tudo ao  destino ou esquecer por completo.
Mesmo nesse jogo arriscado, ninguém pode prever as  mudanças que podem ocorrer, facilitando aquilo que parecia impossível. O tempo desgasta tudo, até mesmo  situações  estáveis de hoje e, mais tarde, consideradas instáveis amanhã, dependendo das circunstâncias favoráveis e da força de      quem  as  impulsiona.
O canto da música é revelado por letra que revela outros  cantos  na voz do pássaro em frente ao quarto da mulher amada, do  vento frio que anuncia cerração e, ainda, do canto silencioso de  uma carta anônima.
A presença do poeta, chorando sem parar pelo amor da mulher  amada, é uma goteira caindo sobre um chão escuro. O poeta ama e crê em si mesmo, em seu coração extravasando sentimentos que podem encher rios de lágrimas.
Como todo  grande rio, haverá sempre um mar que o acolherá, como  também um amor que o fará esquecer os desencantos. O que prevalece é o canto pela mulher amada.

Blog  Fernando Pinheiro, escritor

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