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domingo, 23 de setembro de 2012

MADRUGADA NO CAMPO


Escrita nos idos de 1948, a música Madrugada no Campo, é de  autoria do compositor, violinista e musicólogo Luiz Cosme (1908/1965), conhecido autor de Salamanca do Jirau, bailado inspirado no folclore gaúcho que foi apresentado  ao público, em outubro de 1936, pelo maestro Heitor Villa–Lobos, à frente da Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. No ano seguinte, foi executado pela  Orquestra Sinfônica Municipal de São Paulo, sob a regência  do maestro Francisco Mignone.
A letra da Madrugada no Campo consta do livro Mar Absoluto e outros poemas, de Cecília Meireles (1901/1964) que emprega imagens sutis, quase etéreas, reveladas no amanhecer no campo. As palavras “doçura”, “arrozal” e “cristal” estão presentes em todas as estrofes da poesia.
Nos primeiros versos, a doçura vem da brisa que penteia a  verde seda fina do arrozal. Há uma vantagem maior da brisa na comparação velada dos cílios, plumas, lume de lânguida lua e  suspiro do cristal.
  A poetisa enaltece a doçura da brisa diante de adornos que realçam a beleza feminina: cílios, plumas e tirou da natureza outros encantos, o lume lânguido que se derrama do luar, criando clima de idílios amorosos, e o suspiro da água cristalina gotejando que dá uma sensação de paz.
A exaltação da doçura está presente na transparente aurora que tece na fina seda do arrozal aéreos desenhos de orvalho. A comparação atinge a sutilezas que revelam a beleza que vem da lágrima e seus mistérios recônditos, como também estende no céu, no mesmo lugar onde a aurora surge, um arco-íris que  revela cores em forma de cristal.
Associadas umas as outras, num mesmo diapasão de beleza,  as imagens ideoplásticas, que a poesia de Cecília Meireles revela e a que a música canta, em movimento andantino, têm o encantamento da hora do amanhecer no campo. Os sentimentos poéticos e românticos têm afinidade com a  vibração que emana dos fenômenos da natureza.
A poetisa destaca a joia que adorna o corpo feminino,  principalmente o colo: a pérola. Quantos romances de amor  tiveram início com o presente de colar de pérolas à mulher  amada! Mesmo assim, ficou em segundo plano ao apreciar        o  amanhecer.
A doçura, supremacia que se destaca diante de tantos   encantos e adornos femininos, revelada pela poetisa, ganha    voo em direção das borboletas brancas prendendo os fios  verdes do arrozal com leves laços. A imagem agora é  completamente  etérica,  perceptível  mais  pelos  olhos  d'alma.
A beleza oriunda dos leves laços de fios verdes, que as borboletas–fiandeiras tecem, encontra uma comparação menos apreciada nos dedos da mulher, nas pétalas de rosa, e no frio  aroma de anis em cristais.
As  mãos  da  mulher  amada  que  afaga,  abençoa  e dá adeus, vêm revestidas de carinho, bondade, ternura e meiguice que encantam. Estar de mãos dadas é receber toda essa energia que dulcifica o nosso viver. Será que a doçura do amanhecer, revelada pela poetisa, tem maior requinte e beleza?
Nos últimos versos da canção, Cecília Meireles valoriza a transcendência. Há doçura no pássaro imprevisto que tomba no verde arrozal. Unindo o que antes estava sutilmente separado,  o elogio tem excelsitude diante da vida que transmuta a outras  formas  mais  sutis:
- “Caído céu, flor azul, estrela última:
               súbito sussurro e eco de cristal.”

Blog  Fernando Pinheiro, escritor

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