Escrita nos idos
de 1948, a música Madrugada no Campo, é
de autoria do compositor,
violinista e musicólogo Luiz Cosme (1908/1965), conhecido autor de Salamanca do
Jirau, bailado inspirado no folclore
gaúcho que foi apresentado ao
público, em outubro de 1936, pelo maestro Heitor Villa–Lobos, à frente da
Orquestra Sinfônica do Theatro Municipal do Rio de Janeiro. No ano seguinte,
foi executado pela Orquestra
Sinfônica Municipal de São Paulo, sob a regência do maestro Francisco Mignone.
A
letra da Madrugada no Campo consta do livro Mar Absoluto e outros poemas, de Cecília Meireles (1901/1964) que
emprega imagens sutis, quase etéreas, reveladas no amanhecer no campo. As
palavras “doçura”, “arrozal” e “cristal” estão presentes em todas as estrofes
da poesia.
Nos
primeiros versos, a doçura vem da brisa que penteia a verde seda fina do arrozal. Há uma vantagem maior da brisa
na comparação velada dos cílios, plumas, lume de lânguida lua e suspiro do cristal.
A
poetisa enaltece a doçura da brisa diante de adornos que realçam a beleza
feminina: cílios, plumas e tirou da natureza outros encantos, o lume lânguido
que se derrama do luar, criando clima de idílios amorosos, e o suspiro da água
cristalina gotejando que dá uma sensação de paz.
A
exaltação da doçura está presente na transparente aurora que tece na fina seda
do arrozal aéreos desenhos de orvalho. A comparação atinge a sutilezas que
revelam a beleza que vem da lágrima e seus mistérios recônditos, como também
estende no céu, no mesmo lugar onde a aurora surge, um arco-íris que revela cores em forma de cristal.
Associadas
umas as outras, num mesmo diapasão de beleza, as imagens ideoplásticas, que a poesia de Cecília Meireles
revela e a que a música canta, em movimento andantino,
têm o encantamento da hora do amanhecer no campo. Os sentimentos poéticos e
românticos têm afinidade com a
vibração que emana dos fenômenos da natureza.
A
poetisa destaca a joia que adorna o corpo feminino, principalmente o colo: a pérola. Quantos romances de
amor tiveram início com o presente
de colar de pérolas à mulher
amada! Mesmo assim, ficou em segundo plano ao apreciar
o amanhecer.
A
doçura, supremacia que se destaca diante de tantos encantos e adornos femininos, revelada pela poetisa, ganha voo em direção das
borboletas brancas prendendo os fios
verdes do arrozal com leves laços. A imagem agora é completamente etérica,
perceptível mais pelos olhos d'alma.
A
beleza oriunda dos leves laços de fios verdes, que as borboletas–fiandeiras
tecem, encontra uma comparação menos apreciada nos dedos da mulher, nas pétalas
de rosa, e no frio aroma de anis
em cristais.
As mãos da mulher amada que afaga, abençoa e dá adeus, vêm revestidas de carinho, bondade, ternura e
meiguice que encantam. Estar de mãos dadas é receber toda essa energia que
dulcifica o nosso viver. Será que a doçura do amanhecer, revelada pela poetisa,
tem maior requinte e beleza?
Nos
últimos versos da canção, Cecília Meireles valoriza a transcendência. Há doçura
no pássaro imprevisto que tomba no verde arrozal. Unindo o que antes estava
sutilmente separado, o elogio tem
excelsitude diante da vida que transmuta a outras formas
mais sutis:
- “Caído céu, flor azul, estrela
última:
súbito sussurro e eco de cristal.”
Blog
Fernando Pinheiro, escritor
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