O
Canto VI da obra Anchieta ou O Evangelho nas Selvas, de Fagundes
Varella, elucida a
questão monetária:
“E
ensinando a brandura e a caridade,
O
Salvador caminha entre verdugos!
–
Mestre, consulta um saduceu, conheço
Que
és sábio, verdadeiro, pio e reto.
Que
da virtude desbravais as trilhas
Sem
calcular futuras consequências;
Dizei-me:
– é justo que pague a César
O
tributo exigido? – Ora, pensava
O
fariseu astuto, ei-lo vencido:
Se
assevera que não, ao rei ofende;
Se
assevera que sim, o povo irrita! –
O
Salvador sorriu, vendo a malícia
Desta
cruel proposta, – refalsada,
Traidora
como a faca de dois gumes.
–
Hipócrita! – exclamou, por que me tentas?
Deixa–me
ver a moeda do tributo! –
Então
mostrou-lhe o pérfido um dinheiro
Onde
a efígie de César ressaltava.
Jesus
leu a inscrição e erguendo os olhos,
Severo
perguntou: – Quem representa
Esta
imagem que vejo? – César, Mestre. –
–
Pois bem, o que é de César, daí a César,
E
a Deus o que é de Deus! – Esta resposta
Encheu
de confusão quando a ouviram;
Calou-se
o fariseu. – Mas era o dia
Do
jogo vil da astúcia e da maldade.” (99)
(99) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O
Evangelho nas Selvas – poema – Canto VI – Capítulo III, IV, VII – pp. 188, 191, 194, 195, 196 –
Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de
Letras.
Na
praça pública havia um canteiro de rosas onde o perfume envolvia a todos os
transeuntes. A pressa no caminhar não permitia que eles o desfrutassem. Sentiam
algo renovador no ar e seguiam em busca de outros lugares, preocupados com
os problemas materiais.
Nas
profecias, gravadas nos rolos sagrados do templo, estava escrito que o esperado
Messias não discutirá em praça pública (“...Não contenderá, nem clamará.”)
(100) Era costume daquela época, como nos
tempos da Grécia pré-socrática, na Ágora, os contendores falarem alto para
ganharem a causa.
(100) ISAÍAS, 42:2
Os
ventos que sopravam o aroma das rosas se espalhavam pelas ruas, pelas casas e alcançavam
sutilmente o palácio de Pilatos que ouvira falar das notícias de um homem que
atraía a atenção do povo.
Envolvido
por íntimas inquietações que transpareciam nos
gestos trêmulos e precipitados, na voz rouca
e destoante, o
representante de César chamou seus agentes secretos e os mandou
à presença de
Jesus. A ordem era
taxativa: obter uma prova na qual o homem de Nazaré não
seguia as leis e os costumes.
Uma
hora depois, no momento em que o Mestre amado estava na praça cercado de amigos
e, confirmando a profecia de Isaías, ele sorriu pacificamente e permitiu que os
agentes secretos participassem da reunião.
Num
silêncio que permitiu os mensageiros ficarem à vontade, Jesus ouviu
pacientemente, e com bondade, as palavras deles: “Mestre, bem sabemos que és
verdadeiro e que ensinas o caminho de Deus, segundo a verdade. E não dás
preferência a ninguém, porque não consideras a aparência dos homens.” (101)
(101) MATEUS, 22:16
Os
olhos dos agentes secretos de Pilatos brilhavam à luz da manhã clara que se
vestia de perfume das rosas. Na intimidade sentiam a vibração de paz que nunca tinham sentido antes.
Os
mercenários de César, embora negociando interesses que se converteriam em
dinheiro, possuíam algum mérito, pois quem
se aproxima de Jesus já recebe algo mais precioso que o aroma das flores das praças.
Então,
eles satisfeitos por serem acolhidos, acrescentaram: “dize-nos, pois, que te parece? É lícito
pagar tributo a César, ou não?” O
divino Amigo, percebendo o que se passava além das aparências e atraindo-os ao seu reino de
amor, disse-lhes: “mostrai-me a moeda do
tributo.”
Nas
mãos dos fariseus estavam reluzindo um denário, moeda de prata de meia polegada
de diâmetro, sobressaindo uma figura humana coroada de louros, circunscrita com
a legenda: Tiberius Cæsar. Jesus, perguntou-lhes: “De quem é esta efígie e
inscrição? Responderam-lhe: De César.”
O
Mestre, reinando no clima de confiança que envolvia a todos, falou
amorosamente, mas com energia na voz: “dai a César o que é de César e a Deus o
que é de Deus.”
Blog Fernando Pinheiro, escritor
Site www.fernandopinheirobb.com.br
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