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domingo, 16 de dezembro de 2012

A MOEDA DE CÉSAR


O Canto VI da obra Anchieta ou O Evangelho nas Selvas, de  Fagundes  Varella,  elucida  a  questão  monetária: 
“E ensinando a brandura e a caridade,
O Salvador caminha entre verdugos!
– Mestre, consulta um saduceu, conheço
Que és sábio, verdadeiro, pio e reto.
Que da virtude desbravais as trilhas
Sem calcular futuras consequências;
Dizei-me: – é justo que pague a César
O tributo exigido? – Ora, pensava
O fariseu astuto, ei-lo vencido:
Se assevera que não, ao rei ofende;
Se assevera que sim, o povo irrita!  –
O Salvador sorriu, vendo a malícia
Desta cruel proposta, – refalsada,
Traidora como a faca de dois gumes.
– Hipócrita! – exclamou, por que me tentas?
Deixa–me ver a moeda do tributo!   –
Então mostrou-lhe o pérfido um dinheiro
Onde a efígie de César ressaltava.
Jesus leu a inscrição e erguendo os olhos,
Severo perguntou: – Quem representa
Esta imagem que vejo? – César, Mestre. –
– Pois bem, o que é de César, daí a César,
E a Deus o que é de Deus! – Esta resposta
Encheu de confusão quando a ouviram;
Calou-se o fariseu. – Mas era o dia
Do jogo vil da astúcia e da maldade.”   (99)
(99)   FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas Selvas – poema – Canto VI – Capítulo  III, IV, VII – pp. 188, 191, 194, 195, 196 – Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.
Na praça pública havia um canteiro de rosas onde o perfume envolvia a todos os transeuntes. A pressa no caminhar não permitia que eles o desfrutassem. Sentiam algo renovador no ar e seguiam em busca de outros lugares, preocupados com os  problemas materiais.
Nas profecias, gravadas nos rolos sagrados do templo, estava escrito que o esperado Messias não discutirá em praça pública (“...Não contenderá, nem clamará.”) (100) Era costume daquela  época, como nos tempos da Grécia pré-socrática, na Ágora, os contendores falarem alto para ganharem a causa.
(100)  ISAÍAS, 42:2
Os ventos que sopravam o aroma das rosas se espalhavam  pelas ruas, pelas casas e alcançavam sutilmente o palácio de Pilatos que ouvira falar das notícias de um homem que atraía a  atenção do povo.
Envolvido por íntimas inquietações que transpareciam nos  gestos  trêmulos e precipitados,  na  voz rouca  e  destoante,  o  representante de César chamou seus agentes secretos e os  mandou  à  presença  de  Jesus. A  ordem  era  taxativa:  obter  uma prova na qual o homem de Nazaré não seguia as leis e os  costumes.
Uma hora depois, no momento em que o Mestre amado estava na praça cercado de amigos e, confirmando a profecia de Isaías, ele sorriu pacificamente e permitiu que os agentes secretos participassem da reunião.
Num silêncio que permitiu os mensageiros ficarem à vontade, Jesus ouviu pacientemente, e com bondade, as palavras deles: “Mestre, bem sabemos que és verdadeiro e que ensinas o caminho de Deus, segundo a verdade. E não dás preferência a ninguém, porque não consideras a aparência dos homens.”  (101)  
(101) MATEUS, 22:16
Os olhos dos agentes secretos de Pilatos brilhavam à luz da manhã clara que se vestia de perfume das rosas. Na intimidade sentiam a vibração de paz  que nunca tinham sentido antes.
Os mercenários de César, embora negociando interesses que se converteriam em dinheiro, possuíam algum mérito, pois quem  se aproxima de Jesus já recebe algo mais precioso que o aroma  das flores das praças.
Então, eles satisfeitos por serem acolhidos, acrescentaram:  “dize-nos, pois, que te parece? É lícito pagar tributo a César, ou  não?”      O divino Amigo, percebendo o que se passava além das  aparências e atraindo-os ao seu reino de amor, disse-lhes:  “mostrai-me a moeda do tributo.”  
Nas mãos dos fariseus estavam reluzindo um denário, moeda de prata de meia polegada de diâmetro, sobressaindo uma figura humana coroada de louros, circunscrita com a legenda: Tiberius Cæsar. Jesus, perguntou-lhes: “De quem é esta efígie e inscrição? Responderam-lhe: De César.”  
O Mestre, reinando no clima de confiança que envolvia a todos, falou amorosamente, mas com energia na voz: “dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus.”  


Blog Fernando Pinheiro, escritor
Site  www.fernandopinheirobb.com.br




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