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quarta-feira, 19 de dezembro de 2012

CLÁUDIA PRÓCULA


Picture: Ecce Homo – Christ before Pilate by Antonio Ciseri
O sol vestia de claridade a manhã em Jerusalém. No pretório, Pôncio Pilatos caminhava, de um lado para outro, com as emoções em desalinho. Ouviam-se vozes e murmúrios que pediam a sua presença junto ao povo.  (113)
(113) NOTA: A exemplo de Adonias Filho, imortal da Academia Brasileira de Letras, que recontou obras estrangeiras célebres, o autor reconta o sonho de Cláudia Prócula do capítulo O Sonho de Prócula, constante do original da Vida de Jesus, de Plínio Salgado – 22ª edição – Editora Voz do Oeste – 1985 – São Paulo – SP – Acervo: Biblioteca Nacional.
Em seus aposentos, Cláudia acorda com os olhos cheios de pavor. Mal consegue recompor suas vestes e sai à procura de Pilatos para relatar-lhe o que se passa em sua alma. Com a fisionomia assustada, chega à presença de seu esposo que continua caminhando, de um lado para outro, no imenso gabinete.
Duas aflições se entrechocam. Olhares de indagação se cruzam ao mesmo tempo, acumulando o clima de tensão. Pilatos tomou uma das mãos da esposa e a observou tão pálida, com a respiração ofegante e completamente nervosa. Ele tentou desviar a atenção dela, fazendo referência sobre os atrativos de Roma, a cidade eterna, e a necessidade imperiosa de permanecer em Jerusalém, por vontade do imperador romano.   
Cláudia lhe disse que não era isto que a tornara triste. Estava preocupada com o sonho que tivera. Tomando fôlego, fez uma pausa e desabafou narrando o episódio, convertido em crime hediondo, que tinha a participação dos sacerdotes.  
Com o olhar de espanto, Pilatos continuou ouvindo Cláudia que lhe falava do sonho. Sobressaltada, contou-lhe que vira um grupo de pessoas dirigir-se ao encontro de Jesus, que estava em meditação, no Jardim das Oliveiras, o Getsêmani, e o viu sendo amarrado e conduzido ao palácio do pontífice.
Cláudia revela que viu o sangue do inocente galileu ser  manchado por seu marido e, num tom de súplica, falou gritando: tu és representante de Roma, “só tu tens direito de  vida e de morte sobre os judeus, eu venho te pedir não sejas  cúmplice desse crime.” (SALGADO, 1985)
Pilatos ouviu, comovido, a esposa falar e, consultando um magistrado que participava da reunião, perguntou-lhe sobre a veracidade de sonhos. A resposta dele foi alusiva ao sonho de Calpúrnia, mulher de Caio Júlio César, que previu a tragédia do assassinato do imperador. Pilatos retomou a palavra para concluir que se César atendesse ao sonho da esposa não teria ido ao Senado. (SALGADO, 1985)     
O governador da Judeia, tentando acalmar Cláudia, disse-lhe que iria atendê-la, desde que não houvesse uma conspiração contra César. Quando ele acabara de expressar a sua promessa, um centurião da guarda pretoriana surgiu no pretório para comunicar que os sacerdotes trouxeram um réu para ser julgado no palácio. (SALGADO, 1985)     
Cláudia dirigiu o olhar ao seu marido e disse-lhe que o sonho era uma revelação: o acusado, amarrado pelas mãos, que adentrava ao pórtico do palácio, era o mesmo homem com  quem sonhara na noite anterior.
Naquele instante, o vozerio do povo aumentou em coro em que se podia distinguir a súplica para que Pilatos aparecesse em público. No mesmo instante, o centurião romano disse-lhe que  os juízes do Sinédrio, os sacerdotes e os fariseus negam-se a entrar no palácio.
Na pintura Ecce Homo, de Antonio Ciseri, Pilatos, vestindo trajes brancos, apresenta Jesus à multidão desvairada. À direita, Cláudia, acompanhada de outra mulher, saiu triste e abatida, no entanto demonstrando ser bem superiora ao marido, envolvido no clima sombrio. 
A versão narrada, em versos, pelo poeta Fagundes Varela é de comovente beleza, realçando a presença da mulher de Pilatos que avisou ao marido sobre o sinistro sonho que tivera na noite anterior à presença de Jesus no Palácio diante de uma multidão furiosa. Vale ressaltar:
“Não longe do Pretório, iluminada
Pelos flavos clarões do sol nascente,
Aparecia a casa de Pilatos,
Alva, risonha, erguida entre ciprestes,
Coberta de cimalhas caprichosas,
Frisos sutis, colunas de alabastro,
E arejadas soteias. Tão festiva
Dir-se-ia a visão de tão alto castelo
Pelos gênios da aurora edificado
Nas regiões longínquas do Oriente,
Onde termina o mar e o céu começa.
Os mansos passarinhos gorjeiavam
À sombra dos vergéis, as auras frescas
Soerguiam as trêmulas cortinas
Do belo camarim, onde entre flores,
Mimosa flor também, sobre almofadas
Lânguida descansava a linda esposa
Do opulento pagão. Seus pensamentos
Tristes deviam ser, que os rubros lábios
Cerrava convulsando, e dentre os cílios
Negros, com a penugem luzidia
Das escuras abelhas da floresta,
Rebentavam as lágrimas sentidas.
Filha airosa da Itália sonhadora!
Rôla saudosa das alegres veigas
Dos campos de Lavínia! Que pesares
Ferem-te o coração? Mas, de repente,
Um profundo gemido angustioso,
Os seios lhe agitou; a nobre dama
Levantou-se de um alto, branca e fria
Como a estátua de mármore pousada
Em brônzeo pedestal junto da porta:
Correu para a janela, as tranças soltas,
O olhar afogueado. Então, ruidosa
Bramia a onda popular na praça,
Mil vozes discordantes repetiam:
– Desatai Barrabaz! Deixai-o livre!   –
Compreende a esposa de Pilatos
A sinistra questão. Chamou um pajem,
E mandou ao Pretório a toda a pressa,
– Vai, dize a teu Senhor, ampara o justo,
Que revelou-me um sonho pavoroso
A pureza divina de seus atos,
Das intenções celestes a inocência,
A gloriosa origem de seu gênio! –
O servo obedeceu. Nesse momento
Uma nuvem trevosa e carregada
Cobriu a luz do sol, – rijo nordeste
No ledo camarim entrou silvando,
Tremeu o pavimento, e as belas flores
Que pendiam das jarras primorosas
Caíram desfolhadas no tapete...”   (114) 
(114) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas Selvas – poema – Canto IX – Cap. VIII – pp. 296, 297, 298 – Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira de Letras.


Blog Fernando Pinheiro, escritor
Site  www.fernandopinheirobb.com.br

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