Picture: Ecce Homo – Christ before Pilate by Antonio
Ciseri
O
sol vestia de claridade a manhã em Jerusalém. No pretório, Pôncio Pilatos
caminhava, de um lado para outro, com as emoções em desalinho. Ouviam-se vozes
e murmúrios que pediam a sua presença junto ao povo. (113)
(113)
NOTA: A exemplo de Adonias Filho, imortal da Academia Brasileira de Letras, que
recontou obras estrangeiras célebres, o autor reconta o sonho de Cláudia
Prócula do capítulo O Sonho de Prócula, constante do original da Vida de Jesus,
de Plínio Salgado – 22ª edição – Editora Voz do Oeste – 1985 – São Paulo – SP –
Acervo: Biblioteca Nacional.
Em
seus aposentos, Cláudia acorda com os olhos cheios de pavor. Mal consegue
recompor suas vestes e sai à procura de Pilatos para relatar-lhe o que se passa
em sua alma. Com a fisionomia assustada, chega à presença de seu esposo que
continua caminhando, de um lado para outro, no imenso gabinete.
Duas
aflições se entrechocam. Olhares de indagação se cruzam ao mesmo tempo,
acumulando o clima de tensão. Pilatos tomou uma das mãos da esposa e a observou
tão pálida, com a respiração ofegante e completamente nervosa. Ele tentou
desviar a atenção dela, fazendo referência sobre os atrativos de Roma, a cidade
eterna, e a necessidade imperiosa de permanecer em Jerusalém, por vontade do
imperador romano.
Cláudia
lhe disse que não era isto que a tornara triste. Estava preocupada com o sonho
que tivera. Tomando fôlego, fez uma pausa e desabafou narrando o episódio,
convertido em crime hediondo, que tinha a participação dos sacerdotes.
Com
o olhar de espanto, Pilatos continuou ouvindo Cláudia que lhe falava do sonho.
Sobressaltada, contou-lhe que vira um grupo de pessoas dirigir-se ao encontro
de Jesus, que estava em meditação, no Jardim das Oliveiras, o Getsêmani, e o
viu sendo amarrado e conduzido ao palácio do pontífice.
Cláudia
revela que viu o sangue do inocente galileu ser
manchado por seu marido e, num tom de súplica, falou gritando: tu és
representante de Roma, “só tu tens direito de
vida e de morte sobre os judeus, eu venho te pedir não sejas cúmplice desse crime.” (SALGADO, 1985)
Pilatos
ouviu, comovido, a esposa falar e, consultando um magistrado que participava da
reunião, perguntou-lhe sobre a veracidade de sonhos. A resposta dele foi
alusiva ao sonho de Calpúrnia, mulher de Caio Júlio César, que previu a
tragédia do assassinato do imperador. Pilatos retomou a palavra para concluir
que se César atendesse ao sonho da esposa não teria ido ao Senado. (SALGADO,
1985)
O
governador da Judeia, tentando acalmar Cláudia, disse-lhe que iria atendê-la,
desde que não houvesse uma conspiração contra César. Quando ele acabara de
expressar a sua promessa, um centurião da guarda pretoriana surgiu no pretório
para comunicar que os sacerdotes trouxeram um réu para ser julgado no palácio.
(SALGADO, 1985)
Cláudia
dirigiu o olhar ao seu marido e disse-lhe que o sonho era uma revelação: o
acusado, amarrado pelas mãos, que adentrava ao pórtico do palácio, era o mesmo
homem com quem sonhara na noite
anterior.
Naquele
instante, o vozerio do povo aumentou em coro em que se podia distinguir a
súplica para que Pilatos aparecesse em público. No mesmo instante, o centurião
romano disse-lhe que os juízes do
Sinédrio, os sacerdotes e os fariseus negam-se a entrar no palácio.
Na
pintura Ecce Homo, de Antonio Ciseri, Pilatos, vestindo trajes brancos,
apresenta Jesus à multidão desvairada. À direita, Cláudia, acompanhada de outra
mulher, saiu triste e abatida, no entanto demonstrando ser bem superiora ao marido,
envolvido no clima sombrio.
A
versão narrada, em versos, pelo poeta Fagundes Varela é de comovente beleza,
realçando a presença da mulher de Pilatos que avisou ao marido sobre o sinistro
sonho que tivera na noite anterior à presença de Jesus no Palácio diante de uma
multidão furiosa. Vale ressaltar:
“Não
longe do Pretório, iluminada
Pelos
flavos clarões do sol nascente,
Aparecia
a casa de Pilatos,
Alva,
risonha, erguida entre ciprestes,
Coberta
de cimalhas caprichosas,
Frisos
sutis, colunas de alabastro,
E
arejadas soteias. Tão festiva
Dir-se-ia
a visão de tão alto castelo
Pelos
gênios da aurora edificado
Nas
regiões longínquas do Oriente,
Onde
termina o mar e o céu começa.
Os
mansos passarinhos gorjeiavam
À
sombra dos vergéis, as auras frescas
Soerguiam
as trêmulas cortinas
Do
belo camarim, onde entre flores,
Mimosa
flor também, sobre almofadas
Lânguida
descansava a linda esposa
Do
opulento pagão. Seus pensamentos
Tristes
deviam ser, que os rubros lábios
Cerrava
convulsando, e dentre os cílios
Negros,
com a penugem luzidia
Das
escuras abelhas da floresta,
Rebentavam
as lágrimas sentidas.
Filha
airosa da Itália sonhadora!
Rôla
saudosa das alegres veigas
Dos
campos de Lavínia! Que pesares
Ferem-te
o coração? Mas, de repente,
Um
profundo gemido angustioso,
Os
seios lhe agitou; a nobre dama
Levantou-se
de um alto, branca e fria
Como
a estátua de mármore pousada
Em
brônzeo pedestal junto da porta:
Correu
para a janela, as tranças soltas,
O
olhar afogueado. Então, ruidosa
Bramia
a onda popular na praça,
Mil
vozes discordantes repetiam:
–
Desatai Barrabaz! Deixai-o livre! –
Compreende
a esposa de Pilatos
A
sinistra questão. Chamou um pajem,
E
mandou ao Pretório a toda a pressa,
–
Vai, dize a teu Senhor, ampara o justo,
Que
revelou-me um sonho pavoroso
A
pureza divina de seus atos,
Das
intenções celestes a inocência,
A
gloriosa origem de seu gênio! –
O
servo obedeceu. Nesse momento
Uma
nuvem trevosa e carregada
Cobriu
a luz do sol, – rijo nordeste
No
ledo camarim entrou silvando,
Tremeu
o pavimento, e as belas flores
Que
pendiam das jarras primorosas
Caíram
desfolhadas no tapete...” (114)
(114)
FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas Selvas – poema – Canto
IX – Cap. VIII – pp. 296, 297, 298 – Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro
– Acervo: Academia Brasileira de Letras.
Blog Fernando Pinheiro, escritor
Site www.fernandopinheirobb.com.br
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