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Jesus wrote in the sand by Carl Heinrich Bloch (1834/1890)
Um clima suave espalhava-se diante de
uma pequena multidão reunida ao lado direito do templo. As vibrações amorosas
de sua voz dulcificavam o coração de todos ali presentes como se fossem o
prelúdio das sinfonias.
O amor era pregado na beleza original
que se revelava num olhar doce e brando que, num primeiro contato, parecia ser
de uma criança e, num instante mais profundo, na atitude dos grandes profetas.
Apenas em sua placidez meditativa já
conseguia reunir, em grupo homogêneo, todos que estavam presentes à sua volta.
O amor se espalha como aroma de lavanda campesina, envolvendo tudo ao redor.
Mas, numa radiosa manhã em Jerusalém,
esse manto diáfano de vibrações foi rasgado pela precipitação de outro grupo de
pessoas que se dirigira em direção de Jesus e seus discípulos.
A pequena multidão que o ouvira antes,
vendo o tumulto que vinha à sua frente, aos poucos foi se dispersando.
Uma jovem mulher ia à frente, fugindo
à fúria implacável de seus acusadores e carrascos.
O grupo, que a empurrava era impiedoso
e perverso, não tivera oportunidade de ouvir as palavras que descortinam os
panoramas íntimos de comovente beleza. Quem sabe se tivesse chegado ali uma
hora antes tudo seria diferente?
Os escribas e fariseus apresentaram a
Jesus a mulher de vestes esfarrapadas e perguntaram-lhe a sua opinião a
respeito da acusação de que ela era vítima.
Um silêncio se fez presente. O clima
ficou mergulhado na expectativa. Um instante depois, a resposta veio revestida
de misericórdia, alicerce onde se estrutura todo Evangelho de Jesus, com
ressonância aos dias atuais.
O Mestre olhou de relance a mulher
ultrajada e, inclinando-se, sensibilizado, escreveu na areia traços de desenhos
que lhes despertassem a atenção.
A resposta imediata do Mestre criaria
embaraços naqueles que cultuavam a aspereza da lei de Moisés que determinara
pena de morte à mulher adúltera. Era, de
certa forma, a lei do talião, não
obstante César atribuir a Roma o direito sobre a vida de seus súditos. A
Palestina, como sabemos, estava naquela época sob o domínio do império romano.
Era época de celebração de data
importante no calendário judeu. As festas das tendas criavam uma disposição
coletiva à tolerância. Eram dias em que se comemoravam a saída do Egito, a
passagem pelo deserto onde se abrigavam sob tendas e a chegada triunfal à terra
prometida.
Justamente nesse clima totalmente
favorável, os ensinamentos do amor, testados numa das provas mais difíceis,
seriam revelados como mensagens inesquecíveis.
Como houve insistência do grupo, a
resposta veio clara e cristalina como as águas que se derramam das fontes:
“aquele que dentre vós está sem pecado, seja o primeiro a lhe atirar uma primeira pedra...” (85)
(85) JOÃO,
8:7
Relata ainda o evangelista João:
“quando ouviram isto, foram-se retirando um a um, a começar pelos mais velhos”,
até que ficou só Jesus e a mulher no
meio onde estava. Depois da saída de
todos, pôde o Mestre fitar os olhos aliviados da mulher considerada
adúltera pelos acusadores, e disse em tom
mergulhado em melodia de ternura: “mulher, onde estão eles? Ninguém te condenou?”
“Respondeu
ela, ninguém, Senhor. Disse Jesus: Nem eu também te condeno. Vai e não peques
mais.” (86)
(86) JOÃO,
8: 9 a
11
A respeito da pena de talião, vejamos
a opinião do eminente jurista Luís Ivani de Amorim Araújo (1923/2007),
professor de Direito Internacional da UNICAN – Universidade Cândido Mendes, a
quem, nos idos de 1995, sucedemos no cargo de presidente da Academia de Letras
dos Funcionários do Banco do Brasil:
“O Jus Talionis foi, não há a negar,
consequência do descomedimento de vingança privada. No talionar alguém surge
equivalência entre o dano e a reação.
5. Os costumes evoluem e o talião é
substituído por uma indenização paga à
vítima ou aos seus familiares.” (87)
(87) LUÍS
IVANI DE AMORIM ARAÚJO – in Do Julgamento e da Pena nos Sistemas Jurídicos da
Antiguidade, p. 5 – BVZ Edições Comércio e Representações – 1993 – Rio de
Janeiro–RJ.
Outro jurista de renome, Aliomar Baleeiro,
no estilo em que sobressai amenidade e
leveza, se expressa:
“Os bons Códigos não matam, nem
paralisam o Direito, não o esterilizam nem ancilosam. Nascem e crescem em ramos
e brotos novos, como as árvores sadias em cada primavera.” (88)
(88) ALIOMAR
BALEEIRO – in Revista Forense 181/9 – Apud Discurso proferido pelo ministro
Xavier de Albuquerque, em 21/maio/1975, no Supremo Tribunal Federal, publicado
sob o título “Aliomar de Andrade Baleeiro”, p. 27, pelo STF – Departamento de
Imprensa Nacional – 1975 – Brasília – DF. – Francisco Manoel Xavier de
Albuquerque, advogado do Banco do Brasil (1952 a 1972), presidente do Supremo
Tribunal Federal (16/2/1981 a
21/2/1983).
O assunto evangélico versa sobre a
mulher adúltera. Com a evolução dos costumes, hoje o adultério, no Brasil, não
é mais crime.
Blog Fernando Pinheiro, escritor
Site www.fernandopinheirobb.com.br
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