“...
Adiantou-se
Da
multidão silente um homem forte,
De
espáduas largas, vigoroso colo,
E
tisnadas feições; era seu nome
Simão,
o Cireneu, – calado e sério
Ergueu
Cristo pelos frouxos braços,
Pôs-lhe
a cruz sobre os ombros contundidos,
E
ajudou-o a subir a pétrea senda.” (116)
(116) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O
Evangelho nas Selvas – poema – Canto IV
– Cap. XIV – p. 307 – Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo:
Academia Brasileira de Letras.
A
tarde era azul, cheia de sol. Mais algumas horas as trevas dominariam
inteiramente as paisagens do monte.
O
centurião romano, montado a cavalo, tinha ordens para executar a sentença até
antes do amanhecer do dia seguinte, sábado, consagrado ao repouso e orações.
A
caminho do Gólgota, a multidão acompanha o prisioneiro que era fustigado, de
vez em quando, pelo centurião para que não pudesse desfalecer e o cortejo
continuasse caminhando no percurso programado.
Quando
Jesus sente o cansaço e para um pouco para respirar melhor, o soldado,
embaraçado entre o dever e a piedade, olha ao redor e vê homens mudos e
receosos.
Certamente,
perguntou a si mesmo: “onde estão aqueles que o aplaudiram na entrada triunfal
da cidade, cinco dias antes, e os curados pelas suas mãos, pela sua voz, pelo
seu olhar?”
O
centurião estava atento com as armas nas mãos para usá-las naqueles que se
rebelassem contra as ordens de Pilatos e, ao mesmo tempo, sentiu-se emocionado
com o gesto simples do prisioneiro.
Cercado
pelas vibrações pesadas do clima dominante que exigia o suplício ao condenado e
asfixiado pelo receio e temor de muitos, ele sabia que algo renovador estava
acontecendo em sua vida, mesmo que fosse tão pequenino como o grão de mostarda.
Lançando
o olhar um pouco mais adiante, reconhece um homem que pode ajudar o prisioneiro
e o chama em voz alta.
Com
as vestes empoeiradas, pois acabara de chegar do campo e, revelando medo,
Simão, judeu de família grega radicada em Cirene, ficou parado. O centurião,
arrancando-lhe um feixe de lenha que ele carregava, atirou-o para bem longe e
ordenou: “obedece a César”.
Simão
ajuda Jesus a carregar a cruz. O Mestre lhe dirige um olhar de profundo amor
que lhe dulcifica interiormente. Quantas paisagens íntimas são descerradas para
que a essência etérea se manifeste?
Ternura
e gratidão eram-lhe reveladas claramente, sem palavras, e o benfeitor
inesperado acreditou na inocência daquele homem.
Eram
apenas poucos minutos, o suficiente, para que a
lenda pessoal do jovem cireneu lhe fosse revelada em som infinito. Impulsionado pelas vibrações
inefáveis que sentiu naquele olhar,
decifrou o enigma milenar da esfinge egípcia:
conheceu a si mesmo.
O desprendimento solidário, a serviço dos
ideais sublimes, faz esquecer nossas limitações e atrai os sentimentos de
gratidão de quem recebe, acumulando forças construtivas que removem obstáculos.
O
amor tem esse dom: transmudar.
Ao
voltar para casa, Simão contou aos familiares a emoção do dia tumultuado e a
alegria de sentir o seu coração mais leve, mais leve. Era o nascer de novo.
No
jardim florido de sua casa, as rosas eram balançadas pelo vento que as fazia
mais encantadoras e, entre elas, um botão surgiu, naquele dia, sem que ninguém
tivesse notado.
Simão,
o cireneu, era um homem do campo. A vida lhe proporcionou um aprendizado
voltado ao ambiente em que vivia.
Blog Fernando Pinheiro, escritor
Site www.fernandopinheirobb.com.br
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