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sábado, 22 de dezembro de 2012

GETSÊMANI

Christ in the Gethsemane Garden, oil painting by Heinrich Ferdinand   Hofmann (1824/1911) – The original is at the Riverside Church – New York City
O poeta fluminense Fagundes Valela descreve a noite em Jerusalém:
“Jerusalém dormia. A voz pausada
E rouca das latinas sentinelas
Nas muralhas de escura fortaleza,
O pio das corujas agoureiras
Nos velhos bastiões, os longes ecos
Dos nefandos festins, de quando em quando
O silêncio da noite interrompiam.
Mas, nas habitações dos sacerdotes,
Nos paços dos pontífices vaidosos,
Estranho movimento anunciava
Importante sucesso. As portas francas,
Os pátios e saguões iluminados,
Guardas dobradas, confusão de servos,
Tudo, enfim, revelava que essa noite
Era não de prazeres e folguedos,
Mas de urgentes questões, graves negócios.” (109)
(109) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas Selvas – poema – Canto IX – Cap. II – pp. 284, 285, 286 – Livraria Imperial – 1875  – Rio de Janeiro – Acervo: Academia Brasileira  de  Letras.
A claridade de prata vinha do luar esplêndido e a brisa da noite, balançando as folhas dos ciprestes, trazia um afago no  rosto adormecido de cada um dos seus discípulos.
Naquele momento, Getsêmani era o centro das atenções dos espíritos que estavam na esfera espiritual, aguardando o desenrolar do martírio daquele que tem ascendência sobre todos que nascem da carne e, também, do espírito.
O momento era de meditação e entrosamento com o Poder Maior que distribui todas as dádivas preciosas do Universo.
A reflexão do futuro, naquelas horas de beleza espiritual, foi feita por Jesus com a mais perfeita visão dos acontecimentos que afligiriam a humanidade terrena.
Narram as Escrituras que nenhum dos discípulos esteve presenciando o instante de solidão aparente do Mestre. Possivelmente, dormindo, viram em sonhos as cenas dramáticas que iriam afligir a humanidade.
Os planos de evolução se ligam uns aos outros, como no sonho da escada de Jacó, subindo aos céus.
Os abnegados semeadores da luz – que ajudam a humanidade a encontrar o caminho do reino celestial, identificados na Seara Espírita como o Parácleto, o Espírito Santo (designação genérica dos espíritos de luz), prometido por  Jesus a Seus discípulos, designado, em outras áreas de elevado  labor, como o Espírito Santo (designação da unidade da tríade  divina) – estão acima das vibrações tumultuadas das paixões  passageiras.
Getsêmani é uma referência da realidade espiritual a que se  reportaram os místicos cristãos e místicos não cristãos,  ressaltando o exemplo daquele que nos ensinou como é importante a meditação acerca dos acontecimentos que nos  dizem  respeito.
Desenvolver esse raciocínio, acompanhando a veracidade  dos  fatos que geram outros que se ligam entre si, é  compreender a vida que nos rodeia.
Três vezes ele voltou e três vezes ele os encontrou dormindo: “Dormis? Não pudestes vigiar sequer uma hora”, falou   amorosamente.     (110)
(110) MATEUS,  26:36  a  56  LUCAS,  22:39  a  46   
Getsêmani, naquela noite de lua cheia, era um cenário de quietude. Jesus, mergulhado na consciência cósmica, pressente os acontecimentos infelizes que se desenrolarão a partir do  beijo de Judas, o amigo dissidente.
Há uma tristeza pairando no ar, não por ele, pois quem ama sempre é feliz e vitorioso, mas por causa daqueles que não o acompanharam até o fim. Não é apenas o dissidente da causa nobre, mas a grande maioria dos homens daquela época e das futuras gerações em dificuldades para sair do mundo das ilusões e entrar no paraíso.
Ele lançou um olhar compassivo à cidade que dormia e viu o Tiropeón, velha esplanada que conduzia à Porta Dourada, por onde entrou triunfante na cidade, ouvindo o coro das crianças; avistou o palácio do Sumo Sacerdote, e do outro lado o de Herodes, perto dos jardins do Gareb; a torre Antônia, o vale do Cedron e, mais além, a subida do Gólgota que se perdia na distância da noite fria [RODRIGUES, 1990].
Um instante depois, seu olhar se espalhou pelas estrelas, onde certamente entre elas ele viera e apenas mencionou aos  seus discípulos como as moradas do Pai.
A madrugada veio vindo cercada de vibrações tumultuadas pelos vendedores de ilusão que ofereceram trinta moedas de prata a Judas em troca de favores junto ao Sumo Sacerdote.
Dirigindo-se, pela última vez, aos seus discípulos, disse: “dormi agora e repousai; eis que é chegada a hora. O Filho do homem está sendo traído nas mãos dos pecadores. Levantai-vos, eis que é chegado aquele que me trai”.
Entre as oliveiras, um pequeno grupo, carregando archotes para iluminar o caminho, acercou-se de Jesus e, através de Judas, quis identificá-lo. O Mestre, adiantando-se, numa serena demonstração de coragem, simplicidade e nobreza, falou a todos os presentes: “saístes, como para um salteador, com espadas e varapaus para me prender? Todos os dias me assentava junto de vós, ensinando no templo e não me prendestes”. Concluindo, numa expressão de amor e sabedoria, lhes revelou que “tudo isto aconteceu para que se cumpram as escrituras dos profetas”.

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