Christ in the Gethsemane Garden, oil painting by
Heinrich Ferdinand Hofmann (1824/1911)
– The original is at the Riverside Church – New York City
O poeta
fluminense Fagundes Valela descreve a noite em Jerusalém:
“Jerusalém
dormia. A voz pausada
E rouca das
latinas sentinelas
Nas muralhas
de escura fortaleza,
O pio das
corujas agoureiras
Nos velhos
bastiões, os longes ecos
Dos nefandos
festins, de quando em quando
O silêncio da
noite interrompiam.
Mas, nas
habitações dos sacerdotes,
Nos paços dos
pontífices vaidosos,
Estranho
movimento anunciava
Importante
sucesso. As portas francas,
Os pátios e
saguões iluminados,
Guardas
dobradas, confusão de servos,
Tudo, enfim,
revelava que essa noite
Era não de
prazeres e folguedos,
Mas de
urgentes questões, graves negócios.” (109)
(109) FAGUNDES VARELA, L. N. – in Anchieta ou O Evangelho nas Selvas – poema – Canto IX –
Cap. II – pp. 284, 285, 286 – Livraria Imperial – 1875 – Rio de Janeiro – Acervo: Academia
Brasileira de Letras.
A claridade de
prata vinha do luar esplêndido e a
brisa da noite, balançando as folhas dos ciprestes, trazia um afago no rosto adormecido de cada um dos seus
discípulos.
Naquele
momento, Getsêmani era o centro das atenções dos espíritos que estavam na
esfera espiritual, aguardando o desenrolar do martírio daquele que tem
ascendência sobre todos que nascem da carne e, também, do espírito.
O momento era
de meditação e entrosamento com o Poder Maior que distribui todas as dádivas
preciosas do Universo.
A reflexão do
futuro, naquelas horas de beleza espiritual, foi feita por Jesus com a mais
perfeita visão dos acontecimentos que afligiriam a humanidade terrena.
Narram as
Escrituras que nenhum dos discípulos esteve presenciando o instante de solidão aparente
do Mestre. Possivelmente, dormindo, viram em sonhos as cenas dramáticas que
iriam afligir a humanidade.
Os planos de
evolução se ligam uns aos outros, como no sonho da escada de Jacó, subindo aos
céus.
Os abnegados
semeadores da luz – que ajudam a humanidade a encontrar o caminho do reino
celestial, identificados na Seara Espírita como o Parácleto, o Espírito Santo
(designação genérica dos espíritos de luz), prometido por Jesus a Seus discípulos, designado, em outras
áreas de elevado labor, como o Espírito
Santo (designação da unidade da tríade
divina) – estão acima das vibrações tumultuadas das paixões passageiras.
Getsêmani é
uma referência da realidade espiritual a que se
reportaram os místicos cristãos e místicos não cristãos, ressaltando o exemplo daquele que nos ensinou
como é importante a meditação acerca dos acontecimentos que nos dizem
respeito.
Desenvolver
esse raciocínio, acompanhando a veracidade
dos fatos que geram outros que se
ligam entre si, é compreender a vida que
nos rodeia.
Três vezes ele
voltou e três vezes ele os encontrou dormindo: “Dormis? Não pudestes vigiar
sequer uma hora”, falou amorosamente. (110)
(110) MATEUS,
26:36 a 56
LUCAS, 22:39 a
46
Getsêmani,
naquela noite de lua cheia, era um cenário de quietude. Jesus, mergulhado na
consciência cósmica, pressente os acontecimentos infelizes que se desenrolarão
a partir do beijo de Judas, o amigo
dissidente.
Há uma
tristeza pairando no ar, não por ele, pois quem ama sempre é feliz e vitorioso,
mas por causa daqueles que não o acompanharam até o fim. Não é apenas o
dissidente da causa nobre, mas a grande maioria dos homens daquela época e das
futuras gerações em dificuldades para sair do mundo das ilusões e entrar no
paraíso.
Ele lançou um
olhar compassivo à cidade que dormia e viu o Tiropeón, velha esplanada que
conduzia à Porta Dourada, por onde entrou triunfante na cidade, ouvindo o coro
das crianças; avistou o palácio do Sumo Sacerdote, e do outro lado o de Herodes,
perto dos jardins do Gareb; a torre Antônia, o vale do Cedron e, mais além, a
subida do Gólgota que se perdia na distância da noite fria [RODRIGUES, 1990].
Um instante
depois, seu olhar se espalhou pelas estrelas, onde certamente entre elas ele
viera e apenas mencionou aos seus
discípulos como as moradas do Pai.
A madrugada
veio vindo cercada de vibrações tumultuadas pelos vendedores de ilusão que
ofereceram trinta moedas de prata a Judas em troca de favores junto ao Sumo
Sacerdote.
Dirigindo-se,
pela última vez, aos seus discípulos, disse: “dormi agora e repousai; eis que é
chegada a hora. O Filho do homem está sendo traído nas mãos dos pecadores.
Levantai-vos, eis que é chegado aquele que me trai”.
Entre as
oliveiras, um pequeno grupo, carregando archotes para iluminar o caminho,
acercou-se de Jesus e, através de Judas, quis identificá-lo. O Mestre,
adiantando-se, numa serena demonstração de coragem, simplicidade e nobreza,
falou a todos os presentes: “saístes, como para um salteador, com espadas e
varapaus para me prender? Todos os dias me assentava junto de vós, ensinando no
templo e não me prendestes”. Concluindo, numa expressão de amor e sabedoria,
lhes revelou que “tudo isto aconteceu para que se cumpram as escrituras dos profetas”.
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