No
Epigrama n˚ 4, de Cecília Meireles, o choro vem perto dos olhos para que a dor
transborde e cáia. É, sem dúvida, uma catarse de efeito profundo, mas há que se
estabelecer que se, no pranto derramado, houver qualquer manifestação do ego, a
simplicidade não aparece, pois o ego é complicado.
No entanto, em cada ser humano existe a flama
irradiante e bela que se manifesta, em dias sombrios ou dias claros, bastando
apenas um pequeno impulso que a faça se manifestar. Em tudo vemos a beleza se
expressando de muitas formas e conteúdos.
Anteriormente em Motivo, na obra Viagem, justifica
por que é poeta: “Eu canto porque o instante existe” e atirou para longe a onda
da dualidade (alegre/triste), essa mesma dualidade que está indo embora do
planeta com os sinais da nova consciência que o planeta está ascendendo,
surgindo a possibilidade de sermos seres multi dimensionais.
Cecília Meireles amplia os horizontes do epigrama,
nascidos nos sonhos que se derramam como os prantos chorados. A praia foi o
cenário de comovente beleza: “O choro foge sem vestígios, / mas levando
náufragos dentro.” Os náufragos pertencem ao joio, imensa caravana sob o jugo
de grilhões férreos, seguindo como manada para os rumos desgarrados do trigo.
É a vibração deles mesmos que o conduzem. Opção
escolhida, opção aceita. Somente o olhar de Luciano Pavarotti, em Pietà,
Signore, de Alessandro Stradella, em Montreal, Canadá, nos idos de 1978, pode
retratar, em vibrações sutis, a realidade dos fatos, em outro lado, feita pela
súplica derramada. A música é uma ária sustentada pelo movimento Andantino,
inicia-se em piano, aumentando, diminuindo, aumentando, diminuindo em
pianíssimo.
As ordens augustas, no Epigrama n˚ 4, descem dos
céus e o mar obedece ao ritual eterno de chamar a onda para o centro.
Temos os nossos sonhos dentro da realidade tangível
e ainda na realidade que os sonhos aparecem dentro dos sonos. Nessa dimensão
multidimensional onde a existência do ser profundo, que todos nós somos, vive
em liberdade, longe dos liames que o fazem ficar retidos pelos desencantos que,
na verdade, isto não lhes pertence.
Essa bagagem, que é um peso, mala sem alça,
pertence sim à personalidade, ao ego, em trânsito para a transcendência. Os
encantos e as blandícias do paraíso fazem despertar nele o que ele é, na
realidade e por excelência, descobrindo assim o estado do ser.
Enquanto isso, a manada entorpecida segue aos
tropeços em caminhadas pelo sono letárgico e embriagador e irá despertar, em
mundos da mesma vibração em que estão, somente quando o panorama íntimo for
outro. O olhar de Pavarotti conta o enredo e a voz dele apenas o pensamento de
Stradella: Pietà, Signore.
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