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sábado, 29 de dezembro de 2012

PIETÀ SIGNORE


No Epigrama n˚ 4, de Cecília Meireles, o choro vem perto dos olhos para que a dor transborde e cáia. É, sem dúvida, uma catarse de efeito profundo, mas há que se estabelecer que se, no pranto derramado, houver qualquer manifestação do ego, a simplicidade não aparece, pois o ego é complicado.

No entanto, em cada ser humano existe a flama irradiante e bela que se manifesta, em dias sombrios ou dias claros, bastando apenas um pequeno impulso que a faça se manifestar. Em tudo vemos a beleza se expressando de muitas formas e conteúdos.

Anteriormente em Motivo, na obra Viagem, justifica por que é poeta: “Eu canto porque o instante existe” e atirou para longe a onda da dualidade (alegre/triste), essa mesma dualidade que está indo embora do planeta com os sinais da nova consciência que o planeta está ascendendo, surgindo a possibilidade de sermos seres multi dimensionais.

Cecília Meireles amplia os horizontes do epigrama, nascidos nos sonhos que se derramam como os prantos chorados. A praia foi o cenário de comovente beleza: “O choro foge sem vestígios, / mas levando náufragos dentro.” Os náufragos pertencem ao joio, imensa caravana sob o jugo de grilhões férreos, seguindo como manada para os rumos desgarrados do trigo.

É a vibração deles mesmos que o conduzem. Opção escolhida, opção aceita. Somente o olhar de Luciano Pavarotti, em Pietà, Signore, de Alessandro Stradella, em Montreal, Canadá, nos idos de 1978, pode retratar, em vibrações sutis, a realidade dos fatos, em outro lado, feita pela súplica derramada. A música é uma ária sustentada pelo movimento Andantino, inicia-se em piano, aumentando, diminuindo, aumentando, diminuindo em pianíssimo.

As ordens augustas, no Epigrama n˚ 4, descem dos céus e o mar obedece ao ritual eterno de chamar a onda para o centro.

Temos os nossos sonhos dentro da realidade tangível e ainda na realidade que os sonhos aparecem dentro dos sonos. Nessa dimensão multidimensional onde a existência do ser profundo, que todos nós somos, vive em liberdade, longe dos liames que o fazem ficar retidos pelos desencantos que, na verdade, isto não lhes pertence.

Essa bagagem, que é um peso, mala sem alça, pertence sim à personalidade, ao ego, em trânsito para a transcendência. Os encantos e as blandícias do paraíso fazem despertar nele o que ele é, na realidade e por excelência, descobrindo assim o estado do ser.

Enquanto isso, a manada entorpecida segue aos tropeços em caminhadas pelo sono letárgico e embriagador e irá despertar, em mundos da mesma vibração em que estão, somente quando o panorama íntimo for outro. O olhar de Pavarotti conta o enredo e a voz dele apenas o pensamento de Stradella: Pietà, Signore.

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